segunda-feira, 16 de março de 2009

the food generation

“Diga-me o que comes e te direi quem és”.


Se as palavras de Brillat-Savarin já eram corretas quando ele as disse na década de 1820, elas provavelmente são ainda mais verdadeiras hoje, uma época em que a comida se tornou uma das principais formas pelas quais nos comunicamos com o mundo a nossa volta, anunciando nossos gostos, preferências e, se não nossa renda, talvez nossas prioridades financeiras.

A comida também é um dos modos primordiais de se experimentar a vida, seja através do ritual dos fins de semana de uma família sentada ao redor da mesa para o almoço de domingo, ou a antecipação e o prazer de se abrir uma garrafa de vinho há muito procurada na companhia de alguns amigos com disposição semelhante.


Pode ser também um prazer solitário, numa noite sozinho em casa com alguns pedaços de pão com manteiga e salmão escocês defumado; ou uma porção individual de um prato simples de massas. Seja qual for o prato ou a ocasião, poucos argumentariam hoje contra a importância fundamental dos rituais da comida na promoção do bem-estar e de um estilo de vida saudável e equilibrado.



apreciação dos sabores simples
Sempre foi assim? Bem, a história segue mais ou menos deste jeito: era uma vez uma época em que as pessoas comiam porque tinham fome e precisavam repor as calorias gastas. Os recursos eram escassos, muito do que se comia era cultivado em casa, ou pelo menos cultivado na própria localidade, e dava-se pouca atenção à apuração dos sabores (a não ser, é claro, que a comida tivesse se deteriorado, e neste caso era maliciosamente disfarçada por uma riqueza de outros sabores).

A substância, e não a forma, era a questão em pauta. Esta prática humilde, porém valiosa, resultou no consumo e apreciação de sabores puros e naturais pelo que eram: massas com tomates ou feijões no sul da Itália, polenta no norte, porridge (mingau salgado) na Escócia, batatas na Irlanda, tamales de milho no México e arroz e legumes na Índia e na China.


E veja você: estas comidas tinham seu absolutamente melhor gosto, ou seja, tinham a quintessência de seu sabor, porque eram ingredientes locais e autênticos que viajavam mais ou menos 500 metros até a mesa de jantar em que eram consumidas da maneira mais simples.


o progresso da comida industrializada
Então vieram o progresso, a riqueza e a globalização, que deram o melhor de si para nos convencer que comprar frutas sem gosto e ainda verdes fora de época era o pináculo da evolução, e que a conveniência de cup cakes longa-vida de papelão com cobertura química ou tortas de maçã manufaturadas meses antes era um luxo indispensável da vida moderna.


A comida parou de ter gosto de comida e cada vez mais se parecia com papelão, lã de algodão e couro velho de sapato. E então um dia um bravo homem olhou para seu jantar, levantou os olhos do prato e disse: Isto é nojento.

Ele tinha razão. Algo tinha de mudar.

Felizmente, desde que nosso decepcionado comensal se recusou a comer o que estava em seu prato, muitas coisas realmente mudaram. Surgiram associações para endossar hortifrutigranjeiros simples e autênticos, e para promover a biodiversidade dos ingredientes.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


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