segunda-feira, 16 de março de 2009

a especiaria mais valiosa da gastronomia

O açafrão é uma das especiarias mais caras e valorizadas na gastronomia. A produção limitada desse pó dourado de aroma inebriante exige precisão, paciência e um intenso trabalho manual. Cultivado deste a Antiguidade em diversas regiões da Ásia, teve papel fundamental em rituais religiosos; e nas cozinhas da civilização grega, onde também era utilizado como cosmético.


Na Roma, a aristocracia costumava beber o açafrão, fazendo infusões em caldos de carne, galinha ou carneiro, sendo considerado um afrodisíaco. Sua cor vibrante também tonalizava as túnicas de monges budistas. Durante o período das grandes Cruzadas, os árabes levaram o az-zafaran, que significa amarelo, para a Espanha. Desde então, a especiaria conquistou cozinheiros franceses, italianos, espanhóis e ingleses.

O açafrão é a mácula, ou stigma, seca da flor crocus sativus. Hoje, o cultivo é feito, principalmente, em áreas isoladas da Espanha, Marrocos e no Oriente Médio. As delicadas flores de cor púrpura florescem somente na escuridão, antes do amanhecer. A colheita deve ser feita no mesmo dia para asegurar que os fios estejam vermelhos, conservando seu sabor intenso e a deliciosa fragrância.



essência da flor

Cada flor contém, em média, três máculas, que devem ser retiradas a mão, utlizando os dedos polegar e indicador.
As crocus sativus são muito frágeis para serem colhidas com máquinas. Após a retirada da mácula das flores com rapidez, o açafrão passa trinta minutos sobre o fogo indireto. O processo é utilizado para tostar as pontas dos stigmas, retirar o excesso de umidade e, principalmente, intensificar seus aromas. O calor também controla o nível de amargor desse tempero.


Duzentas horas de trabalho são necessárias para produzir 460g de açafrão; e, para obter 1kg, são utilizadas 180 mil crocus sativus. Pelo peso, a especiaria é a mais cara. Em certas ocasiões, o preço por quilo supera o do ouro. A temporada ocorre no final de outubro. Na minha food trip em busca do melhor açafrão do mundo, tive a oportunidade de conhecer dois terrois sensacionais com longas histórias de produção. Além de uma cultura em torno desse tempero, que é de tirar o fôlego.


o terroir do açafrão

Hoje, a Espanha é responsável por 70% da produção de açafrão, considerado o melhor e o mais perfeito. O terroir espanhol em volta do Rio Jiloca se destacou pela qualidade e a especiaria passou a ser chamada pelos nativos de “o ouro do homem pobre”. Com invernos rígidos e longos e verões quentes, o clima da região é ideal para cultivar as crocus.


Nessa viagem, conheci Jose Antonio Sanchez, coordenador do projeto Slow Food Presidium, que tem como objetivo preservar a cultura alimentar tradicional. Sanchez, produtor no Vale do Jiloca, explicou sobre as dificuldades desse cultivo devido às mudanças climáticas nos últimos anos. Em 2007, a colheita foi 60% menor que em 2006. Ao relatar a produção nos últimos trinta anos, ele lembrou com tristeza o fato de que muitos agricultores deixaram de cultivar as flores.

Em 1970, o terroir de Teruel - situado ao lado das montanhas Cuenca, na região de Aragon, a 200km de Valência - era famoso por suas trufas e pelo açafrão, tendo dois mil hectares plantados. Hoje, a área possui menos de 5 hectares. É surreal saber que a economia local já foi totalmente dependende da agricultura da crocus sativus.



o museu do açafrão

O Museo del Azafran - localizado no pequeno vilarejo de Monreal de Campo, a 55km de Teruel - é um marco histórico. O local possui a biblioteca mais completa dedicada ao tempero com sua história e lendas, o comércio, as rotas e os instrumentos usados na produção. Nessa comunidade, o açafrão teve papel central, tendo sido utilizado como moeda de troca.


Com o apoio da Fundação Slow Food para Biodiversidade, o Museo del Azafran, está desenvolvendo um projeto para promover o açafrão de Jiloca entre os consumidores da Espanha e ao redor do mundo. Desde a Idade Média, o tempero foi ameaçado por imitações de qualidade inferior. Apesar da facilidade de reproduzir a cor de ferrugem intensa, os carotenóides e óleos essenciais, que compõem todas as notas de sabor, estão somente presentes na verdadeira crocus.


açafrão marroquino
Embora a Espanha responda pela maior parte da produção, o açafrão marroquino apresenta alta qualidade. É considerado por alguns como o mais aromático disponível no mercado. Seu intenso perfume, possui aroma de mel e sabor forte, que lembraria um néctar de frutas amargas.

A pequena aldeia marroquina de Taliouine, localizada a 400 km ao sul de Marrakesh, é uma comunidade de produção de açafrão. Para chegar ao local é preciso atravessar a cadeia de montanhas Altas, situada a 400 metros acima do nível do mar. Taliouine é um vilarejo muito pobre. Os pequenos agricultores da região produzem um pouco do melhor açafrão do mundo e o comercializam por gerações. Eles ainda usam velhas balanças para pesar e vender seu precioso ingrediente. Em breve, o açafrão de Taliouine se juntará ao Açafrão de Jiloca através do Slow Food Presidium.


luxo acessível
O açafrão é insubstituível nas cozinhas de muitas culturas. É essencial no Arroz Pilaus, o Biryanis, e nos pudins e doces da Índia e Oriente Médio. Na cozinha Marroquina é utilizado, frequentemente, nas preparações de doces. Tagine, um dos pratos mais populares do Marrocos é à base desse tempero. Também é ingrediente-chave em risottos no norte da Itália; na sopa de peixe de Marseilles; nos frutos do mar da Provence; e nas paejas célebres da Espanha. Como nunca é usado em grandes quantidades, o preço do açafrão por quilo não o faz um produto caro ou inacessível.

É bom lembrar que o seu alto valor de mercado é temperado pela sua intensidade. Somente uma pitada é necessária para trazer sabor, luxo, apelo visual e novas dimensões às receitas.
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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


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