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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pedro Ximenez: uma autêntica uva espanhola

Fui convidado por Enrique Garrido Gimenez, diretor do Conselho de Denominação de Origem Montilla-Moriles, para visitar esse terroir. Minha expectativa era entender um pouco mais sobre a famosa uva Pedro Ximenez e encontrar os sabores açucarados dos vinhos locais.



Cheguei em Córdoba a bordo do trem bala espanhol e segui de carro até Montilla, pequena cidade Andaluza. Ela está localizada no caminho entre Málaga e Córdoba, distante 25 km dessa província espanhola. Com aproximadamente 28 mil habitantes, entrou para a história como a Terra Natal da uva Pedro Ximenez.



O dono da tonelaria JL Rodríguez (www.toneleriajlrodriguez.com), Jose Luis Rodriguez, iniciou minha visita, apresentando sua trajetória e a importância dos barris de carvalho para vinagrerias e vinícolas da região. Aos 11 anos começou a trabalhar com o pai na antiga tonelaria montillana, uma das maiores da Espanha nas décadas de 70 e 80, que fechou em 1990.

Em 1982, Jose Luis começou o seu próprio estúdio de artesão, onde fazia poucos barris para produtores locais. Hoje, produz cerca de 20 mil barris por ano. Seus clientes estão espalhados na Europa e Estados Unidos. Apesar de a Espanha ter cerca de 30 tonelarias em funcionamento, todo o carvalho utilizado para a produção de vinhos é importado da França e Estados Unidos.



Jose Luis comentou que, na Espanha, as poucas plantações de carvalho não produzem boa madeira. Ele tem orgulho de dizer que os diferentes níveis de como tostar o carvalho é um segredo que só se passa de pai para filho.



De volta ao vinho, a Pedro Ximenez é uma variedade da uva Moscatel, cultivada em algumas áreas da Espanha. Como não existem informações oficiais sobre sua origem, diz a lenda que, durante o século XVI, soldados do famoso Tercio de Flandres levaram parreiras alemãs para a Espanha, provavelmente Riesling. Essa teoria não é provada, até porque a uva Riesling não se adaptaria ao clima quente e seco espanhol.



A versão mais comentada da lenda conta a história de um dos soldados do Tercio, Pero Ximén. Ele teria encontrado parreiras no vale de Rhin e levado as plantas, ainda jovens, da Alemanha - passando pela Ilha da Madeira e Grécia - antes de chegar nas cidades espanholas de Montilla, Málaga e Villanueva del Ariscal.

A Denomicação de Origem (ou simplesmente DO) Montilla-Morilles é localizada em uma das áreas considerada como terroir privilegiado da Espanha. Os rios Genil e Guadajoz fazem as fronteiras oriental e ocidental da DO. Enquanto o rio Guadalquivir, a fronteira norte; e as serras da Subbética, o sul.

Um dos motivos do reconhecimento da qualidade de uvas e vinhos é o solo calcáreo e arenoso, isso ajuda no desenvolvimento das parreiras. Outros dois são o clima, semi-continental mediterrâneo, e a temperatura, com estações bem definidas. Os verões são intensos, em torno de 40°; e os invernos, frios e secos. Esse forte calor durante o verão ajuda a concentrar a quantidade de açúcar, naturalmente presente nas uvas. E não é necessário adicionar álcool para a elaboração dos vinhos.



A uva Pedro Ximenez é a grande preferida dos produtores da região, com 90% dos cultivos dentro da DO Montilla-Moriles. Entretanto, outras variedades como la Baladí-Verdejo, Lairén, Moscatel e Montepila também estão presentes. Passei boa parte do dia com o diretor geral da D.O., o engenheiro Enrique Garrido Gimenez. Fomos juntos conhecer a cooperativa La Aurora, onde Jose Angel Baena, produtor de uva que também trabalha na cooperativa, estava nos esperando. Formada em 1963, a cooperativa tem mais de 700 sócios, entre produtores de vinagre e vinho, além de pequenos fazendeiros.



Andamos nos campos perto da vinícola, onde as Pedro Ximenez estavam secando ao sol para serem transformadas em um dos melhores vinhos doces do mundo. Todo o processo de produção é natural.



Logo após a colheita as uvas são colocadas em grandes esteiras e deixadas para secar. A cada dois dias são giradas e, depois de 6 ou 7 dias, já estão prontas para a transformação. As uvas chegam a perder 50% de água durante esse período e dobram a graduação de açúcar em 15°, quando são colhidas, a até 32°, segundo a escala Baume.




Entre os mais de oito tipos de vinhos produzidos dentro da DO Montilla-Morilles, uma nota especial aos Amontillados, Palo Cortado, Oloroso e, é claro, Pedro Ximenez.

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Paulo de Abreu e Lima é gastrônomo profissional, mestre em cultura e comunicação alimentar, carioca e fundador do projeto www.ifoodorigin.com

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Cornicabra, a azeitona mais importante da D.O. de Madrid

O período da colheita das azeitonas se aproxima. E, aproveitando que estamos em Madrid, resolvi passar uns dias nos arredores da cidade, conhecendo zonas agrícolas, particularidades de algumas variedades locais de azeitonas e pequenos artesãos. A primeira parada foi na pequena cidade de Morata de Tajuna, localizada a 60 km do centro da capital espanhola. Encontramos Juan Sanchez Benito, um produtor de azeites orgânicos que começou há pouco tempo a desenvolver o cultivo e produção orgânica. De um hobby familiar passou a atividade profissional. Seu pai, Nicola, comprou 4 hectares de terras já com oliveiras centenárias, logo após a Segunda Guerra.


Sua família vive há mais de 400 anos no Vale de Tajuna. Juan produzia vinhos locais antes de começar a trabalhar com azeites, em 2005. O belíssimo Vale de Tajuna - com um solo muito calcáreo, PH de 7.2, em media, e a 640 metros acima do mar - tem a maior produção de azeites dentro da Denominação de Origem (D.O.), chamada D.O. Aceites de Madrid. Alguns dos vilarejos que também fazem parte da D.O. são Titulcia, Colmenar de Oreja e Villa Conejos.


Como somente existem quatro pequenas fazendas com cultivo de azeitonas orgânicas na D.O. Aceites de Madrid, Juan, ainda hoje, precisa transportar suas azeitonas até o moinho mais próximo, na cidade de Colmenar de Oreja.


O processo de colheita e o transporte são realizados a cada 6 horas, para garantir uma mínima oxidação das frutas e uma máxima qualidade organoléptica e sabor dos azeites.

Apesar de encontrar algumas árvores de Gordal, Picual e Manzanilla, Juan explicou que a variedade principal de azeitona em Madrid chama-se Cornicabra. É uma fruta amarelada, quando jovem; e negra, quando madura, produzindo um azeite muito aromático, doce e com notas exóticas, entre os amargos e picantes leves.


A Cornicabra tem esse nome pela forma curvada das azeitonas, parecendo um chifre. Com folhas pequenas e curtas, além de um lindo tom verde escuro, a Cornicabra é uma variedade que se adapta em climas frios e tem um alto rendimento oleico. O azeite bastante estável. A colheita dessa azeitona é feita a mão, por ser difícil retirá-la das árvores. Além de Madrid, a Cornicabra cresce bem em Toledo, Ciudad Real, Caceres e Badajoz.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A origem do azeite e a tradição espanhola

Nas culturas mediterrâneas, o azeite já foi utilizado como gordura para cozinhar, combustível para iluminação, cosmético, remédio, afrodisíaco, poção mágica e simbolismo religioso. O cultivo da Oliveira selvagem começou há cerca de 6 mil anos na região chamada Mesopotâmia, onde está localizado o Iraque.


O cultivo e a cultura de extração de azeite foram levadas para a Europa pelos Fenícios, por volta do ano 1000 a.C, e pelos gregos no ano 700 a.C. Entretanto, foram os Romanos que fizeram do azeite da Península Ibérica uma indústria. O azeite espanhol era produzido, fundamentalmente, para o império romano.

Milhares de anforas de barro - a maioria com uma marca em forma de moeda escrito “Hispania” - já foram encontradas nos caminhos antigos entre o sul da Espanha e Roma. Com a queda de Roma, a produção de azeite em toda a Europa diminuiu drasticamente.

Exceto no sul da Espanha, onde a tendência era o aumento do cultivo de oliveiras, uma vez que os árabes haviam chegado trazendo novas variedades de azeitonas e técnicas de cultivo.


A origem dos dois nomes para a palavra azeitona em espanhol, oliva e aceituna, é distinta. Os termos vêm das duas culturas que influenciaram de maneira direta a produção de azeite na Peninsula Ibérica: as culturas Romana e Árabe.

Aceituna que vem do Latin oleum e do grego elaia ou olivo, que significa oliveiras. E, também, do árabe al-zait, derivado do aramaico zatya, que significa suco de azeitona. Daí a palavra aceite em espanhol; e acebuche, oliveira selvagem.


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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Os Azeites da Toscana

Greve in Chianti é um pequeno vilarejo no coração da Toscana, onde vinhedos e oliveiras compõem a paisagem predominante nos campos e colinas da região. Lá, artesãos ainda caminham pelas pequenas ruelas da cidade e se come espetacularmente bem. Em minha expedição ao local, conheci Vieri Salvadori. O ex reitor da Universidade de Design Pratt, em Nova York (EUA), e da Academia Nacional de Design, em Florença (Itália) dizia estar aposentado do mundo moderno.



Salvadori recebeu de herança uma propriedade na Toscana. E resolveu desenvolver sua paixão como connoisseur de bons sabores, produzindo seus próprios vinhos e azeites. A fazenda está situada no coração do Chianti Clássico, zona de produção DOCG (Denominação de Origem Controlada e Garantida) de um dos mais importantes vinhos italianos. A uva Sangiovese cresce na Toscana de maneira única, como Pinot Noir na Borgonha. De Castellina in Chianti para chegar a Siena são 18km. E para Florenca, 45km.




As oliveiras de Salvadori são plantadas a 500m da altura do mar. O solo é de formação calcárea e argilosa. As árvores estão expostas de frente para ventos frios que chegam do norte. Isso permite o cultivo sem pesticidas químicos, pois o micro-clima ajuda na prevenção de doenças. As árvores têm, aproximadamente, 25 anos e estão divididas em duas seções diferentes, num total de 10 hectares. Segundo o produtor, a inclinação ao norte e a altitude são fatores essenciais na criação dos sabores de seu azeite.



Logo após a colheita, geralmente entre novembro e janeiro - de acordo com a temperatura anual e a quantidade de chuvas durante os meses de julho e agosto -, as azeitonas são levadas até o moinho, ou frantoio em italiano. Ali, são lavadas, separadas dos ramos e folhas e moídas com um pouco de água fria. A baixa acidez é garantida por fatores como o cuidado durante o cultivo, a colheita e a produção. E a velocidade desde à colheita até o moinho, além do equilibrio natural do micro-clima.

As principais azeitonas da Toscana são Frantoio, Leccino, Moraiolo, Pendolino, Ciliegino e Correggiolo. Juntas, essas variedades constroem um sabor frutado e intenso, podendo ser mais leve ou delicadamente apimentado. Bastam algumas pequenas mudanças no período da colheita, chuvas e exposição das oliveiras para mudar totalmente o sabor de um azeite.

azeitonas da Toscana: Frantoio, Leccino, Moraiolo e Pendolino.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

quarta-feira, 24 de março de 2010

Viagem ao terroir dos azeites italianos

Meu primeiro contato profissional com o mundo da agricultura, colheita e produção do azeite de oliva extra-virgem foi em 2002. Tudo começou em Nova York, quando ainda estudava na New York University e trabalhava para revista La Cucina Italiana, no escritório americano da editora Quadratum de Milão, donos do título. Esta é a mais antiga publicação de gastronomia do mundo.


Fui convidado para uma reunião onde Paolo Villoresi - então editor-chefe da revista e grande gastrônomo italiano - perguntou se eu gostaria de trabalhar com pequenos produtores de azeites da Itália. Além de uma matéria especial na revista, estavam planejando criar um mecanismo de relação direta entre os leitores da (cerca de 500 mil, naquela época) e os produtores de azeite Italianos.

A sugestão seria um clube de azeites para os assinantes. Tudo aconteceu muito rápido e, em algumas semanas, estava a caminho de Florença, na Itália. Minha primeira food trip, ou viagem gastronômica, foi na região chamada Greve in Chianti.



Em quase quatro anos trabalhando com o clube e a promoção de azeites italianos nos EUA, encontrei figuras ilustres. Entre elas, Alberto Galluffo, um dos principais especialistas em azeites da Sicilia, e Manfredi Barbera. Aliás, fui algumas vezes durante a colheita visitar o lindo terroir de Manfredi, na pequena cidade San Lorenzo ai Colli, perto de Palermo. Manfredi faz parte da sexta geração de uma família produtores de azeite.



Tive a oportunidade de trabalhar durante alguns anos com Paolo Villoresi. É um Toscano, de boa boca, fascinado por culinária desde à infância, escritor de livros premiados sobre azeites e presidente do Instituto de Culinária Italiano, em Nova York. Villoresi tambem é membro da Accademia della Cucina Italiana. Ele foi o meu primeiro mestre com quem aprendi a degustar, diferenciar notas sensoriais e entender mais sobre variedades de azeitonas, que crescem em diversas partes do mundo.


A cada mês, selecionávamos um azeite de uma região italiana. A única regra na seleção era ter a certeza de que o produto não estaria no mercado americano. Os EUA são os maiores consumidores de azeites do mundo e a competição de marcas, origens e qualidades já era complicada em 2002/2003. Então, tínhamos um programa super exclusivo, com matéria-prima única, jamais antes disponíveis em outro continente. Da mesma forma, os produtores eram únicos.



Enzo Notaristefano, um excelente produtor de azeite do vilarejo de Contrada Casalrotto - parte da cidade de Mottola, em Puglia (pronuncia-se Pulhia) - sempre me contava as histórias da família e o poder da região em relação ao azeite no passado. A Puglia é a maior região produtora da Itália.



Durante dois anos, trabalhei com Luigi Catalano, na pequena cidade de Viterbo, a 50km de Roma e perto do Monte Cimini. Luigi pertence à quarta geração de produtores. Orgulloso de sua herança etrusca, Luigi sempre ficava feliz em mostrar seus 8 hectares de oliveiras com Canino, Leccino e Frantoio plantadas, segundo ele, desde o final do século 18.


Na região da Liguria tive a oportunidade de selecionar ótimos azeites. Nessa área da Itália a monocultura da variedade de oliva Taggiasca é impressionante. Alguns moinhos da região foram construídos em 1780. Na província de Imperia conheci Laura Marvaldi, no vilarejo de Borgomaro, localizado no Vale del Maro. Em Gênova, no ano de 2004, conheci o amigo Gianluca Petrelli, produtor do azeite Costa dei Rosmarini.



Na cidade de Piceno, na região de Marche, conheci duas novas variedades de oliva: Carboncella e L’Ascolana. Segundo Mauro Antonioni, produtor do Gemina D’Oro, os romanos gostavam muito da L’Ascolana por seu sabor doce e sua capacidade de abrir o apetite. São muitos outros produtores em muitas outras regiões italianas.



Espero contar todas as histórias em um livro no futuro. Mas não poderia deixar de falar sobre uma das experiências mais sensacionais que já tive em 10 anos de gastronomia. Nos pés do Monte Iblei - no sul da ilha da Sicilia, perto da cidade de Ragusa, chegando em Buccheri -, encontrei Angelo Lucifora da Azienda Agrícola Tumino Emanuela. Acho que, por um lado, o terroir de Iblei e os azeites feitos com a variedade de oliva Tonda Iblea são incomparáveis. Mas do outro, Angelo representa o que a Europa ainda tem de mais puro e tradicional. Artesãos do sabor, camponeses humildes que dedicam todos os dias do ano ao cultivo, com sabedoria agrícola que são passadas de geração a geração. Precisamos promover e preservar.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Terroir Alto Rio Negro: Qual o sabor da Amazônia?

Chefs de cozinha visitam Alto Rio Negro como parte do "Ano da França no Brasil”
A convite do ISA e do Institut de Recherche pour le Développement (IRD), Alex Atala e Pascal Barbot estiveram em São Gabriel da Cachoeira (AM) para conhecer a culinária e o sistema agrícola de matriz indígena e em processo de reconhecimento como patrimônio cultural.

Visitar roças, casas de farinha e provar vários menus degustação foram o foco da agenda semanal da dupla de chefs de cozinha no entorno da cidade de maioria indígena, uma das "capitais" da diversidade socioambiental da Amazônia brasileira.

A visita faz parte do calendário do Ano da França no Brasil que está se encerrando. Insere-se também no processo iniciado pela Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn) em 2007 para o reconhecimento do sistema agrícola do Rio Negro como patrimônio cultural no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A base do dossiê que sustenta a tese dessa patrimonialização é o projeto de pesquisa denominado Pacta (Populações, Agrobiodiversidade e Conhecimentos Tradicionais Associados), iniciado final de 2005 no âmbito da cooperação bilateral Unicamp-CNPq e IRD e coordenado pelo antropólogo Mauro Almeida e pela etnobotânica Laure Emperaire e do qual participam pesquisadores do ISA. Ao longo desses quatro anos foram construídas parcerias com a Acirmn e a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). O apoio do Iphan levou à realização de um projeto de documentação sobre o sistema agrícola do Rio Negro e à assinatura de um termo de cooperação técnica, em agosto de 2009, para ampliar e consolidar essa reflexão sobre a diversidade dos sistemas agrícolas tradicionais no Brasil.

Um seminário a ser realizado em Brasília dias 19 e 20 de novembro pelo Iphan e o IRD permitirá debater o tema "Patrimônio cultural e sistemas agrícolas locais" centrado sobre duas questões: quais metodologias permitem apreender a complexidade destes sistemas e quais instrumentos são passíveis para salvaguardar e, ao mesmo tempo, manter o caráter dinâmico dos mesmos.

Mais de 200 espécies cultivadas
Na chegada a São Gabriel os chefs assistiram a uma apresentação dos resultados preliminares da pesquisa do Pacta, feita por Laure Emperaire e pela antropóloga Esther Katz, também do IRD e da pesquisa sobre as pimentas baniwa pelo ecólogo do ISA Adeilson Lopes da Silva.



Baseada em censos feitos com apenas 18 famílias de agricultores residentes no município de Santa Isabel do Rio Negro, vizinho a jusante de São Gabriel e parte do sistema socioambiental rionegrino, o grupo de pesquisadores acadêmicos e locais registrou mais de 200 espécies cultivadas com uso alimentar e analisou as redes de troca de plantas que sustentam essa diversidade agrícola. Incluídas as plantas cultivadas de uso medicinal, ornamentais e outras, esse número pode chegar a quase 300. Esse acervo local inclui plantas locais da região (endêmicas), plantas amazônicas ou plantas do Brasil ou de outros continentes incorporadas historicamente ao sistema.

Alex Atala e Pascal Barbot na casa de farinha da comunidade baniwa Yamado nas proximidades de São Gabriel da Cachoeira


Na casa de farinha, mulheres preparam o beiju


Novas plantas continuam sendo incorporadas, demonstrando um constante interesse das populações pela novidade e inovação botânica. Após a manga, o jambo, a fruta-pão, o rambutã pode ser encontrado hoje nos quintais do Rio Negro. E sem contar a superlativa diversidade varietal da mandioca brava. Esta planta constitui o eixo estruturante do sistema agrícola e a âncora de uma extensa culinária que inclui muitas frutas, pimentas e peixes... e modos próprios de pensar, de cuidar e de preparar, muito além do modelito exportação de Belém do Pará, hegemônico no imaginário brasileiro como "a comida amazônica", baseado no tucupi, açaí, pimentas de cheiro e algumas ervas (alfavaca, chicória e jambu).



Diversidade, commodities e mercado de ingredientes
Enquanto isso... as exuberantes florestas habitadas da Amazônia estão sendo suprimidas aceleradamente no últimos 20 anos para dar lugar à exploração madeireira, hidroenergética, à mineração, à pecuária e à soja ... inserindo-a no mercado internacional como fornecedora de um novo ciclo de commodities de baixo valor agregado.

Na contramão, uma série de alternativas locais de desenvolvimento sustentável, prismadas pelo respeito aos direitos coletivos dos povos indígenas e populações tradicionais e a valorização da diversidade socioambiental, desafiam o olho gordo e seletivo do mercado.

Mas são enormes os desafios que essas iniciativas têm para entender as diferentes perspectivas culturais dos "produtores" e estabelecer relações duradouras com o mercado, que vençam as muralhas legais e sanitárias, garantam diversidade de produtos, qualidade, fluxo, preço justo e volumes flexíveis, sustentáveis sazonalmente.

O tema dos ingredientes amazônicos no mercado da gastronomia é novo e desperta um enorme interesse diz Alex Atala, depois de temporadas no Amapá, experiências há dez anos no restaurante DOM de "gastronomia brasileira" em São Paulo, participação em conferências e festivais mundo afora e nas várias visitas de alguns dos principais chefs europeus para o mercado Ver-o-Peso que ciceroneou em Belém do Pará. "O problema é que não estamos preparados para atender a esta demanda", arremata. Como exemplo, lembra das debilidades do fornecimento do famoso açaí, talvez o caso recente de maior "sucesso" de mercado de um ingrediente amazônico: "É muito difícil conseguir polpa de açaí de boa qualidade em São Paulo, tem muita pirataria e mistura". O que tem funcionado, para garantir qualidade, são suas próprias redes sociais, os amigos intermediários... mas quem mais ganha com isso, diz Atala, são as companhias aéreas que cobram pelo frete.

Outra questão importante é o reconhecimento da origem dos produtos, seja por certificação ou instrumento tipo indicação geográfica. É o caso do guaraná, produzido na origem pelo povo indígena Sateré-Mawé (AM) para o qual essa planta é um elemento central na sua vida cultural e econômica, mas cujo maior produtor é atualmente o Estado da Bahia.

Pascal Barbot, 37 anos, observa com rigor e promove a origem dos ingredientes que transforma. Chef do distinguido (três estrelas no guia Michelin desde 2007) e exclusivíssimo L´Astrance em Paris (somente 25 lugares, reservas com dois meses de antecedência) o que poderia ser incorporado mais facilmente à sua cozinha seriam as frutas, talvez sob a forma de polpas congeladas. Na sua segunda visita ao Brasil e à Amazônia, depois de Belém e Marajó, ele provou de quase tudo no mercado Manaus Moderna, nas feiras de São Gabriel da Cachoeira e nas refeições especialmente preparadas pela dona Brasi (mestre local) e pelo Conde (chef autodidata do restaurante La Cave du Conde).

Dona Brasi com Alex Atala na cozinha da sede do ISA em São Gabriel da Cachoeira


Dona Brasi, uma mestre da cozinha regional, ficou responsável por dois almoços. Nascida no sítio Nova Esperança, nas proximidades da comunidade indígena Marabitanas, Alto Rio Negro, filha de comerciante com mãe indígena, se identifica como baré e fala língua geral ou nheengatú.
Com um breve intervalo de quatro anos em que viveu em Manaus para freqüentar escola primária, dona Brasi teve uma vida na beira do rio, de quintal, roça e mato. Convidada por Atala, ela esteve pela primeira vez em São Paulo em junho de 2009 para se apresentar num festival internacional de gastronomia. Para os chefs visitantes, dona Brasi preparou uma entrada de curadá (um tipo de beiju) ao molho de tucupi reduzido e saúva (formigas), com cebolinha fresca. Filé de piraíba na chapa com molho de cubiu, (legume amazônico primo do tomate), caldeirada de surubim, arroz de tucumã (palmeira das roças e capoeiras), farofa de caruru (planta silvestre das roças) e doce de cubiu. O menu seguinte teve pato ao molho com legumes, pudim de cupuaçu e bolo de pupunha.


Pimentas
Atala e Barbot coincidiram em apontar a oportunidade e as dificuldades de incluir ingredientes amazônicos no mercado da alta gastronomia e grifaram, por exemplo, o caso das pimentas, muito abundantes e variadas. Um caminho a seguir seria a de produzir purês congelados de pimentas frescas, na mesma trilha dos rocotos peruanos (um tipo de pimenta andina).



Outra possibilidade está sendo construída desde 2007 pelas mulheres indígenas baniwa e coripaco das comunidades ao longo do Rio Içana e Aiari, com apoio do ISA e Foirn, para aumentar a produção e comercializar sua tradicional jiquitaia ("farinha" de pimentas secas e piladas, com sal), sob a marca arte baniwa, originada há dez anos para a comercialização de cestaria de arumã. Já está bastante adiantado o processo de inventário de variedades, protocolos para o monitoramento da produção e de seus impactos socioambientais. Em curso está o aprimoramento do produto final e logística para a comercialização (embalagem e materiais promocionais, construção de três "casas de pimenta" para procedimentos finais de processamento e armazenamento) e a criação de um núcleo de gestão na Escola Indígena Baniwa Coripaco. Todas essas etapas exigem investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que hoje mobilizam uma equipe de pesquisadores indígenas em cooperação com pesquisadores do ISA.

Resumo da ópera e próximos capítulos
"A Amazônia não tem sabor", diz Atala. A frase pode soar uma insanidade diante da imensa diversidade amazônica cantada em prosa, verso e ciência, enquanto boa parte das florestas vira carvão. Mas o que o chef quer dizer vem logo a seguir, na esteira das comparações evocativas que ele repete como um mantra nas palestras para estudantes de gastronomia: shoyo, gengibre e algas nos remetem ao Japão; tomate, muzzarella e manjericão à Itália; queijo, creme de leite e vinhos à França; leite de côco, dendê e coentro à Bahia... e no caso da Amazônia o quê, pergunta?

Se não há resposta consagrada, a conclusão do raciocínio é que há que inventá-la. O mercado pede simplificações para poder transitar mas, bem manejado, pode ser também uma garantia contra a perda de diversidade. Na outra ponta, as florestas habitadas por quem delas vive pedem complicações para seguir existindo.

Uma rede de entrepostos poderia sustentar a comercialização de um conjunto variado de produtos oriundos dos sistemas agrícolas indígenas cuja viabilidade ecológica já foi amplamente demonstrada. Instrumentos como indicações geográficas, comércio justo, agricultura orgânica, marcas coletivas podem apoiar a implementação de novas vias de comercialização.

Os chefs de cozinha são difusores de novas idéias e modas cujo impacto vai além da esfera restrita dos restaurantes da chamada "alta gastronomia". Uma onda culinária amazônica pode permear um publico muito mais amplo. Para uma fração crescente dos consumidores, um ingrediente é um vetor de outros significados, de uma paisagem de uma cultura, de uma forma de produzir. O mercado de gastronomia – como o de cosméticos, seu parente próximo - não vai salvar a floresta, mas pode dar uma mão para valorizar e remunerar os “produtores de ingredientes” não só pelos itens de qualidade que as comunidades indígenas forem capazes de fornecer regularmente, mas pelo agregado do “conjunto da obra”, dos saberes e das plantas domesticadas e cultivadas, florestas e roças que construíram e melhoraram por séculos.
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Beto Ricardo é coordenador do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA); Laure Emperaire faz parte do Institut de Recherche pour le Développement (IRD)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Uvas e vinhedos da África do Sul

No último artigo da série África do Sul, gostaria de comentar sobre a experiência da uva Pinotage, exclusiva da região, e a premiada vinícola Mongenster. A excelência dos rótulos sul-africanos podem ser comprovados ao mergulhar na história da construção de uma tradição vínícola.


Mongenster é um extraordinário blend, vencedor do prestigiado prêmio 5 estrelas de John Platter, em 2008. Os proprietários Guilio Bertrand e o sócio-enólogo Marius Lategan acreditam que as uvas somente devem ser colhidas quando estão totalmente maduras. Assim, dizem eles, evita-se ao máximo a manipulação do enólogo.


A vinícola é lugar envolvente, desde à arquitetura clean da sala de degustações até a hospitalidade da filha de Betrand. A harmonia do ambiente e a receptividade foram quase tão impressionantes quanto o sabor do blend 2005 de uvas vermelhas.


O primeiro vinhedo foi plantado em 1994, e hoje são 40 hectares com Merlot, Cabernet, Cabernet Franc e pequenas áreas com Petit Verdot. Por quase três séculos a vinícola Mongenster mantém o status de um dos melhores e mais prestigiados terrois da África.


Pinotage, a excelência de uma uva única
Apesar de as uvas Chenin, Chardonnay, Savignon Blanc e Shiraz, serem as mais cultivadas na África do Sul, nenhuma tem o charme, o sabor e a história da Pinotage.

Pinotage foi desenvolvida pelo professor Abraham Perold, em 1925. Ele foi o primeiro professor de Viticultura da Universidade de Stellenbosch e sua intenção era combinar as melhores qualidades das uvas Cinsault, conhecida na região como Hermitage, e Pinot Noir. O nome Pinotage surgiu da junção de Pinot e Hermitage.

Perold iniciou a experiência cultivando quatro sementes de Pinotage no jardim de sua residência. Em 1927, deixou a universidade para trabalhar em um coopertativa local e esqueceu da plantação. Com o tempo, o jardim já havia crecido muito e a universidade enviou uma equipe para limpá-lo.

Um jovem professor, conhecedor da história de Perold, encontrou as plantas e as levou para C.J. Theron, sucessor do professor. Com Theron coordenando o projeto e Perold como conselheiro, o primeiro vinho 100% Pinotage foi produzido em 1941, na cidade de Elsenburg. Em 1961, a vinícola Lanzarac foi a primeira a colocar o nome Pinotage em seus rótulos.

*imagens retiradas dos wallpapers para download no site www.morgenster.co.za

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


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