sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A ética do foie gras

O debate ético sobre o foie gras sempre existiu no mundo da gastronomia. A produção tradicional é baseada na superalimentação forçada de gansos e patos. O fígado, considerado iguaria fina, deve crescer cerca de dez vezes mais que o tamanho normal. Com gordura acumulada, o sabor fica mais pronunciado, além de reduzir o amargor.

Esse processo de engorda é chamado de “Gavage”. Tubos de plástico, ou ferro, são introduzidos na garganta das aves para alimentá-las com ração à base de milho. Os defensores dos direitos dos animais contestam veemente esta prática. Mais de 15 países já proibiram a comercialização de foie gras. Entre eles, Itália, Israel, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. A técnica foi popularizada pelos franceses, mas já era conhecida e, provavelmente criada, pelos antigos cozinheiros judeus dos Egipcios.


Entretanto, não é só com a engorda das aves que se produz os melhores fígados. A ética pode se harmonizar com o prazer gastronômico.
Descobri uma pequena fazenda chamada Pateria Sousa, no vilarejo de Pallares, perto da cidadezinha Fuente de Cantos, a 115km Noroeste de Sevilha. A propriedade fica entre as regiões de Extremadura e Andalucia, no Sul da Espanha. Desde 1812, a família de Eduardo Sousa cria gansos.



A fazenda ganhou notoriedade após participar do Coup de Coeur, o mais prestigiado concurso de foie gras do mundo. O ano era 2006 e o evento aconteceu no famoso Salão Internacional da Alimentacao (SIAL), em Paris. Parte da feira é organizada pela Associação Francesa de Foie Gras (CIFOG, sigla em francês).

Quatro finalistas foram apresentados num imenso auditório com a presença dos principias jornais e revistas da França. Quando o resultado saiu e, Pateria de Sousa foi proclamada vencedora do prêmio, somente um amigo aplaudiu. O foie gras de Sousa é extraído de gansos africanos, criados na península Ibérica e alimentados em liberdade nos campos repletos de accorn (bolota, em português). É o mesmo tipo de alimentação dada aos porcos do famoso Jamon Ibérico (o presunto cru da Espanha).


Sousa consegue produzir um foie grãs delicioso sem fazer a superalimentação. Ele cria gansos durante o outono e inverno. Nesse período, as aves consomem, naturalmente, quantidades enormes de alimentos para criar gordura corporal. A reserva é necessária para as longas viagens de migração em direção ao Sul.


As aves de “Pateria de Sousa” também recebem visitas de gansos selvagens. O grupo, que segue rumo à direção sul, faz uma parada na fazenda para recuperar as energias. Eles também se reproduzem com os gansos locais. O encontro acontece todo o ano com 15 fêmeas fortes, dotadas de boa herança de raça.

Pateria de Sousa produz fígados quatro vezes menores que os franceses ou húngaros. A diferença também está no preço. Cem gramas de foie gras ético de Sousa custa seis vezes mais que o francês ou hungaro. O chef Dan Barber, do Blue Hill at Stone Barns, em Nova York, foi o primeiro a descobrir Sousa, depois de ter conhecido sua história na SIAL. Em novembro, retorno à fazenda para acompanhar o processo de colheita do foie gras.

O Conselho do Comité Profissional de Produtores de Foie Gras, na França, não concorda com a decisão de qualificar como foie gras fígados que não tenham pelo método “Gavage”. Segundo o órgão, tanto a matéria-prima quanto a técnica caracterizam a iguaria. Para marcar essa diferenciação, a fazenda Schiltz Goose Faros, localizada em Dakota do Sul, nos Estados Unidos, passou a utilizar o termo “fígado de ganso engordado naturalmente”. Fundada em 1944, os produtores alegam que a alimentação forçada não indica nem comprova a qualidade e o sabor do foie gras. Sem sacrifício ou violação de princípios éticos, é possível degustar uma das iguarias mais afamadas e polêmicas da gastronomia.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

sábado, 12 de setembro de 2009

Paprenjak, a arte culinária da Croácia


Durante uma curta visita às cidade de Dubrovnik, na Croácia, e Kotor, em Montenegro (países dos Balcãs, situados no sudeste da Europa), encontrei o paprenjak, biscoito tradicional do antigo Reiono da Iugoslávia.


Nikola, habitante de Kotor, ainda prepara os seus próprios paprenjak para vender em um pequeno mercado de comida, perto do porto da cidade. Descobri que o biscoito é um segredo culinário desde o período Renascentista.

O doce, que simboliza o folclore local, é muito aromático e famoso por seu formato quadrado. É feito com ingredientes simples como mel, farinha de trigo, ovos, canela, noz moscada e nozes com leve toque de pimenta negra moída.


Dizem que seu sabor é tão contraditório quanto a tumultuada história da região. Nikola define o paprenjak como “docemente apimentado”. A popularidade do biscoito, entre os primeiros habitantes de Zagreb (antiga Gradec), está registrada na obra literária do romancista croata August Šenoa, intitulada The Goldsmith’s Gold.

Descendente do primeiro confeiteiro de Zagreb, Šenoa descreve a origem dos melhores paprenjaks. No romance, os doces eram preparados pela feiticeira Magda, que ficou conhecida na cidade como a “Mulher Paprenjak”.

O biscoito tornou-se uma arte culinária de Zabreg, que tem longa e rica tradição em confeitarias e cafeterias. Depois de muito tempo esquecido, o paprenjak voltou a ser produzido por artesãos locais como Nikola, Sanja Opačak e outros mais, em diversas partes da Croácia e Montenegro.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

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