quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Terroir Alto Rio Negro: Qual o sabor da Amazônia?

Chefs de cozinha visitam Alto Rio Negro como parte do "Ano da França no Brasil”
A convite do ISA e do Institut de Recherche pour le Développement (IRD), Alex Atala e Pascal Barbot estiveram em São Gabriel da Cachoeira (AM) para conhecer a culinária e o sistema agrícola de matriz indígena e em processo de reconhecimento como patrimônio cultural.

Visitar roças, casas de farinha e provar vários menus degustação foram o foco da agenda semanal da dupla de chefs de cozinha no entorno da cidade de maioria indígena, uma das "capitais" da diversidade socioambiental da Amazônia brasileira.

A visita faz parte do calendário do Ano da França no Brasil que está se encerrando. Insere-se também no processo iniciado pela Associação das Comunidades Indígenas do Médio Rio Negro (Acimrn) em 2007 para o reconhecimento do sistema agrícola do Rio Negro como patrimônio cultural no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A base do dossiê que sustenta a tese dessa patrimonialização é o projeto de pesquisa denominado Pacta (Populações, Agrobiodiversidade e Conhecimentos Tradicionais Associados), iniciado final de 2005 no âmbito da cooperação bilateral Unicamp-CNPq e IRD e coordenado pelo antropólogo Mauro Almeida e pela etnobotânica Laure Emperaire e do qual participam pesquisadores do ISA. Ao longo desses quatro anos foram construídas parcerias com a Acirmn e a Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro). O apoio do Iphan levou à realização de um projeto de documentação sobre o sistema agrícola do Rio Negro e à assinatura de um termo de cooperação técnica, em agosto de 2009, para ampliar e consolidar essa reflexão sobre a diversidade dos sistemas agrícolas tradicionais no Brasil.

Um seminário a ser realizado em Brasília dias 19 e 20 de novembro pelo Iphan e o IRD permitirá debater o tema "Patrimônio cultural e sistemas agrícolas locais" centrado sobre duas questões: quais metodologias permitem apreender a complexidade destes sistemas e quais instrumentos são passíveis para salvaguardar e, ao mesmo tempo, manter o caráter dinâmico dos mesmos.

Mais de 200 espécies cultivadas
Na chegada a São Gabriel os chefs assistiram a uma apresentação dos resultados preliminares da pesquisa do Pacta, feita por Laure Emperaire e pela antropóloga Esther Katz, também do IRD e da pesquisa sobre as pimentas baniwa pelo ecólogo do ISA Adeilson Lopes da Silva.



Baseada em censos feitos com apenas 18 famílias de agricultores residentes no município de Santa Isabel do Rio Negro, vizinho a jusante de São Gabriel e parte do sistema socioambiental rionegrino, o grupo de pesquisadores acadêmicos e locais registrou mais de 200 espécies cultivadas com uso alimentar e analisou as redes de troca de plantas que sustentam essa diversidade agrícola. Incluídas as plantas cultivadas de uso medicinal, ornamentais e outras, esse número pode chegar a quase 300. Esse acervo local inclui plantas locais da região (endêmicas), plantas amazônicas ou plantas do Brasil ou de outros continentes incorporadas historicamente ao sistema.

Alex Atala e Pascal Barbot na casa de farinha da comunidade baniwa Yamado nas proximidades de São Gabriel da Cachoeira


Na casa de farinha, mulheres preparam o beiju


Novas plantas continuam sendo incorporadas, demonstrando um constante interesse das populações pela novidade e inovação botânica. Após a manga, o jambo, a fruta-pão, o rambutã pode ser encontrado hoje nos quintais do Rio Negro. E sem contar a superlativa diversidade varietal da mandioca brava. Esta planta constitui o eixo estruturante do sistema agrícola e a âncora de uma extensa culinária que inclui muitas frutas, pimentas e peixes... e modos próprios de pensar, de cuidar e de preparar, muito além do modelito exportação de Belém do Pará, hegemônico no imaginário brasileiro como "a comida amazônica", baseado no tucupi, açaí, pimentas de cheiro e algumas ervas (alfavaca, chicória e jambu).



Diversidade, commodities e mercado de ingredientes
Enquanto isso... as exuberantes florestas habitadas da Amazônia estão sendo suprimidas aceleradamente no últimos 20 anos para dar lugar à exploração madeireira, hidroenergética, à mineração, à pecuária e à soja ... inserindo-a no mercado internacional como fornecedora de um novo ciclo de commodities de baixo valor agregado.

Na contramão, uma série de alternativas locais de desenvolvimento sustentável, prismadas pelo respeito aos direitos coletivos dos povos indígenas e populações tradicionais e a valorização da diversidade socioambiental, desafiam o olho gordo e seletivo do mercado.

Mas são enormes os desafios que essas iniciativas têm para entender as diferentes perspectivas culturais dos "produtores" e estabelecer relações duradouras com o mercado, que vençam as muralhas legais e sanitárias, garantam diversidade de produtos, qualidade, fluxo, preço justo e volumes flexíveis, sustentáveis sazonalmente.

O tema dos ingredientes amazônicos no mercado da gastronomia é novo e desperta um enorme interesse diz Alex Atala, depois de temporadas no Amapá, experiências há dez anos no restaurante DOM de "gastronomia brasileira" em São Paulo, participação em conferências e festivais mundo afora e nas várias visitas de alguns dos principais chefs europeus para o mercado Ver-o-Peso que ciceroneou em Belém do Pará. "O problema é que não estamos preparados para atender a esta demanda", arremata. Como exemplo, lembra das debilidades do fornecimento do famoso açaí, talvez o caso recente de maior "sucesso" de mercado de um ingrediente amazônico: "É muito difícil conseguir polpa de açaí de boa qualidade em São Paulo, tem muita pirataria e mistura". O que tem funcionado, para garantir qualidade, são suas próprias redes sociais, os amigos intermediários... mas quem mais ganha com isso, diz Atala, são as companhias aéreas que cobram pelo frete.

Outra questão importante é o reconhecimento da origem dos produtos, seja por certificação ou instrumento tipo indicação geográfica. É o caso do guaraná, produzido na origem pelo povo indígena Sateré-Mawé (AM) para o qual essa planta é um elemento central na sua vida cultural e econômica, mas cujo maior produtor é atualmente o Estado da Bahia.

Pascal Barbot, 37 anos, observa com rigor e promove a origem dos ingredientes que transforma. Chef do distinguido (três estrelas no guia Michelin desde 2007) e exclusivíssimo L´Astrance em Paris (somente 25 lugares, reservas com dois meses de antecedência) o que poderia ser incorporado mais facilmente à sua cozinha seriam as frutas, talvez sob a forma de polpas congeladas. Na sua segunda visita ao Brasil e à Amazônia, depois de Belém e Marajó, ele provou de quase tudo no mercado Manaus Moderna, nas feiras de São Gabriel da Cachoeira e nas refeições especialmente preparadas pela dona Brasi (mestre local) e pelo Conde (chef autodidata do restaurante La Cave du Conde).

Dona Brasi com Alex Atala na cozinha da sede do ISA em São Gabriel da Cachoeira


Dona Brasi, uma mestre da cozinha regional, ficou responsável por dois almoços. Nascida no sítio Nova Esperança, nas proximidades da comunidade indígena Marabitanas, Alto Rio Negro, filha de comerciante com mãe indígena, se identifica como baré e fala língua geral ou nheengatú.
Com um breve intervalo de quatro anos em que viveu em Manaus para freqüentar escola primária, dona Brasi teve uma vida na beira do rio, de quintal, roça e mato. Convidada por Atala, ela esteve pela primeira vez em São Paulo em junho de 2009 para se apresentar num festival internacional de gastronomia. Para os chefs visitantes, dona Brasi preparou uma entrada de curadá (um tipo de beiju) ao molho de tucupi reduzido e saúva (formigas), com cebolinha fresca. Filé de piraíba na chapa com molho de cubiu, (legume amazônico primo do tomate), caldeirada de surubim, arroz de tucumã (palmeira das roças e capoeiras), farofa de caruru (planta silvestre das roças) e doce de cubiu. O menu seguinte teve pato ao molho com legumes, pudim de cupuaçu e bolo de pupunha.


Pimentas
Atala e Barbot coincidiram em apontar a oportunidade e as dificuldades de incluir ingredientes amazônicos no mercado da alta gastronomia e grifaram, por exemplo, o caso das pimentas, muito abundantes e variadas. Um caminho a seguir seria a de produzir purês congelados de pimentas frescas, na mesma trilha dos rocotos peruanos (um tipo de pimenta andina).



Outra possibilidade está sendo construída desde 2007 pelas mulheres indígenas baniwa e coripaco das comunidades ao longo do Rio Içana e Aiari, com apoio do ISA e Foirn, para aumentar a produção e comercializar sua tradicional jiquitaia ("farinha" de pimentas secas e piladas, com sal), sob a marca arte baniwa, originada há dez anos para a comercialização de cestaria de arumã. Já está bastante adiantado o processo de inventário de variedades, protocolos para o monitoramento da produção e de seus impactos socioambientais. Em curso está o aprimoramento do produto final e logística para a comercialização (embalagem e materiais promocionais, construção de três "casas de pimenta" para procedimentos finais de processamento e armazenamento) e a criação de um núcleo de gestão na Escola Indígena Baniwa Coripaco. Todas essas etapas exigem investimentos em pesquisa e desenvolvimento, que hoje mobilizam uma equipe de pesquisadores indígenas em cooperação com pesquisadores do ISA.

Resumo da ópera e próximos capítulos
"A Amazônia não tem sabor", diz Atala. A frase pode soar uma insanidade diante da imensa diversidade amazônica cantada em prosa, verso e ciência, enquanto boa parte das florestas vira carvão. Mas o que o chef quer dizer vem logo a seguir, na esteira das comparações evocativas que ele repete como um mantra nas palestras para estudantes de gastronomia: shoyo, gengibre e algas nos remetem ao Japão; tomate, muzzarella e manjericão à Itália; queijo, creme de leite e vinhos à França; leite de côco, dendê e coentro à Bahia... e no caso da Amazônia o quê, pergunta?

Se não há resposta consagrada, a conclusão do raciocínio é que há que inventá-la. O mercado pede simplificações para poder transitar mas, bem manejado, pode ser também uma garantia contra a perda de diversidade. Na outra ponta, as florestas habitadas por quem delas vive pedem complicações para seguir existindo.

Uma rede de entrepostos poderia sustentar a comercialização de um conjunto variado de produtos oriundos dos sistemas agrícolas indígenas cuja viabilidade ecológica já foi amplamente demonstrada. Instrumentos como indicações geográficas, comércio justo, agricultura orgânica, marcas coletivas podem apoiar a implementação de novas vias de comercialização.

Os chefs de cozinha são difusores de novas idéias e modas cujo impacto vai além da esfera restrita dos restaurantes da chamada "alta gastronomia". Uma onda culinária amazônica pode permear um publico muito mais amplo. Para uma fração crescente dos consumidores, um ingrediente é um vetor de outros significados, de uma paisagem de uma cultura, de uma forma de produzir. O mercado de gastronomia – como o de cosméticos, seu parente próximo - não vai salvar a floresta, mas pode dar uma mão para valorizar e remunerar os “produtores de ingredientes” não só pelos itens de qualidade que as comunidades indígenas forem capazes de fornecer regularmente, mas pelo agregado do “conjunto da obra”, dos saberes e das plantas domesticadas e cultivadas, florestas e roças que construíram e melhoraram por séculos.
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Beto Ricardo é coordenador do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA); Laure Emperaire faz parte do Institut de Recherche pour le Développement (IRD)

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Uvas e vinhedos da África do Sul

No último artigo da série África do Sul, gostaria de comentar sobre a experiência da uva Pinotage, exclusiva da região, e a premiada vinícola Mongenster. A excelência dos rótulos sul-africanos podem ser comprovados ao mergulhar na história da construção de uma tradição vínícola.


Mongenster é um extraordinário blend, vencedor do prestigiado prêmio 5 estrelas de John Platter, em 2008. Os proprietários Guilio Bertrand e o sócio-enólogo Marius Lategan acreditam que as uvas somente devem ser colhidas quando estão totalmente maduras. Assim, dizem eles, evita-se ao máximo a manipulação do enólogo.


A vinícola é lugar envolvente, desde à arquitetura clean da sala de degustações até a hospitalidade da filha de Betrand. A harmonia do ambiente e a receptividade foram quase tão impressionantes quanto o sabor do blend 2005 de uvas vermelhas.


O primeiro vinhedo foi plantado em 1994, e hoje são 40 hectares com Merlot, Cabernet, Cabernet Franc e pequenas áreas com Petit Verdot. Por quase três séculos a vinícola Mongenster mantém o status de um dos melhores e mais prestigiados terrois da África.


Pinotage, a excelência de uma uva única
Apesar de as uvas Chenin, Chardonnay, Savignon Blanc e Shiraz, serem as mais cultivadas na África do Sul, nenhuma tem o charme, o sabor e a história da Pinotage.

Pinotage foi desenvolvida pelo professor Abraham Perold, em 1925. Ele foi o primeiro professor de Viticultura da Universidade de Stellenbosch e sua intenção era combinar as melhores qualidades das uvas Cinsault, conhecida na região como Hermitage, e Pinot Noir. O nome Pinotage surgiu da junção de Pinot e Hermitage.

Perold iniciou a experiência cultivando quatro sementes de Pinotage no jardim de sua residência. Em 1927, deixou a universidade para trabalhar em um coopertativa local e esqueceu da plantação. Com o tempo, o jardim já havia crecido muito e a universidade enviou uma equipe para limpá-lo.

Um jovem professor, conhecedor da história de Perold, encontrou as plantas e as levou para C.J. Theron, sucessor do professor. Com Theron coordenando o projeto e Perold como conselheiro, o primeiro vinho 100% Pinotage foi produzido em 1941, na cidade de Elsenburg. Em 1961, a vinícola Lanzarac foi a primeira a colocar o nome Pinotage em seus rótulos.

*imagens retiradas dos wallpapers para download no site www.morgenster.co.za

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


Stellenbosch, a terra natal dos grand cru’s Sul Africanos

Os vinhedos Sul Africanos ocupam mais de 102 mil hectares e contam com mais de 80 diferentes Denominações de Origem. A África do Sul é o nono produtor de vinhos do mundo. São mais de 4 mil produtores, que representam 3% da viticultura mundial.


A área considerada a capital dos vinhos Sul Africanos localiza-se a 40 km da Cidade do Cabo. A saída do aeroporto foi engraçada. Os carros têm sistema inglês, com o volante do lado direito. A estrada ao Norte de Cidade do Cabo até Stellenbosch é linda com largas planícies e várias pequenas aldeias ao longo do caminho.


As colinas de Stellenbosch são coloridas com tons de bege, verde e azul. A diversidade do solo, traz várias qualidades e classes de granito, dentro de um único rico micro clima. De temperatura moderada, a região aproveita as brisas frias que chegam do mar pelas montanhas, que amenizam o calor do verão.


Este é um terroir perfeito para as uvas crescerem com características e autenticidades únicas. Em Stellenbosch, a temperatura gira em torno de 21 graus. Há apenas 2km do centro, encontra-se o vale de Jonkershoek, considerado por muitos locais como o melhor lugar para o desenvolvimento da uva cabernet suavignon.


Não muito longe de Stellenbosch - entre as pequenas cidades de Boland e Somerset West - fica a área chamada, como a montanha local, Helderberg. De acordo com os produtores locais, o clima temperado do Cabo e as condições perfeitas do solo fazem com que essa parte do mundo seja especial para uvas crescerem.

Esfriados por brisas marinhas no verão, que chega da costa, os vinhedos nas colinas de Helderberg já fizeram seu nome no mercado do vinho, produzindo alguns dos mais premiados rótulos da África do Sul. A rota conta com mais de 20 vinícolas - que vão desde famílias de produtores com tradição em cultivar videiras por mais de 300 anos até boutique.


Alguns dos ótimos vinhos dessa zona são produzidos por:


Alto Wine Estate:
Situado no alto das colinas de Helderberg, com uma inclinação Norte de até 500 metros de altitude, produz ótimas uvas vermelhas. A vinícola ganhou mais de 70 medalhas de ouro em concursos internacionais e degustações de vinho.


Avontuur Wines:
É a única vinícola sul africana com uma mulher no papel de winemaker. Lizelle Gerber também foi a primeira a vencer o prestigioso prêmio SAA Award.


Bilton Wines:
A fazenda existe desde 1694 no pé da montanha Helderberg. As primeiras parreiras foram plantadas em 1726 e o cellar (porta de adega) data de 1824. Desde 1996, eles implementaram um sistema científico para preservar as variedades nobres de uvas. É possível ter informações sobre os melhores micro-terroirs para cada variedade plantada.


Dellrust Wines:
A familia Bredell continua produzindo uvas e fazendo vinho por mais de 100 anos. Albert Bredell faz parte da quinta geração de winemakers de Dellrust. Somente as melhores uvas são vinificadas


Eikendal Vineyards;
É um dos lugares ideais na região, por sua perfeita combinação geográfica entre as montanhas, criando um micro-clima marítimo perfeito para a criação de vinhos de qualidade.



Algumas outras ótimas vinícolas incluem Yonder Hill Wine, Webersburg Wines, Vergenoegd Wine Estate, Vergelegen Wine Estate, Stonewall Wines, Rust en Vrede Wines, Onderkloof Wines, Post House Cellar, Grangehurst Winery, Helderkruin Winery, JP Bredell Wines, Longridge Winery.


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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Garimpagem gourmand na África do Sul


Estive na África do Sul em abril de 2009 para visitar algumas vinícolas e o projeto Slow Food Markets. Já no aeroporto fui recebido por Andrew Adrian, presidente do movimento Slow Food no país. Ele me levou para almoçar com 16 personalidades do mundo vinícola sul africano. O grupo forma a confraria de degustação de vinhos mais antiga de todo o continente. Desde 1976, eles se encontram toda semana para degustar sabores e aromas locais.


À noite, nos encontramos novamente, mas dessa vez na companhia de Ana Prossimi - responsável pela renomada Accademia della Cucina Italiana na África -, e de Juan Antonio Obregon, cônsul geral da Espanha. Ele é um grande entusiasta de produtos de origem e da alta da gastronomia na cidade de Johannesburgo. A garimpagem gourmand trouxe agradáveis surpresas como o mercado secreto do Slow Food, em Stellenbosch; a origem das uvas nacionais chamadas de Pinotage; e a carne seca temperada com cominho, coentro e vinagre do vinho local, conhecida com Biltong. Além de algunas das mais importantes e premiadas vinícolas da região como a Morgenster, que ganhou cinco estrelas no guia John Platter Wine Guide 2009.


Começo a compartilhar a experiência do Stellenbosch Fresh Food Market, o novo e secreto mercado do Slow Food. Em 2006, a médica sul africana Gail Black e Paula Kennedy inauguraram o primeiro mercado de produtos de origem da África do Sul, localizado na cidade de Stellenbosch. Após visitar e reunir produtores locais em grupos de discussão, Gail e Paula conseguiram apoio do projeto Slow Food Markets. A iniciativa reúne matérias primas frescas trazidas de diversas áreas das redondezas de Stellenbosch.


Pequenos artesãos, que ainda cultivam grãos, frutas, verduras e matérias-primas naturais, orgânicas (e convencionais também); e pastores com seus deliciosos queijos levam para o centro da cidade o melhor da produção, exposta em um velho e enorme celeiro. O mercado acontece aos sábados e também abriga padeiros com seus pães e doces, peixeiros que oferecem ostras frescas para degustação, além de muitos sabores e aromas de flores recém colhidas.


No dia em que visitei o Stellenbosch Fresh Food Market estava bastante movimentado. A maioria das pessoas era branca por causa da colonização de ingleses, italianos e franceses. Esta é a segunda colônia européia mais antiga da África do Sul. Outro fator é que na área de Stellenbosch as uvas são protagonistas. Stellenbosch é a principal localização para produção da indústria vinícola sul-africana. A rota foi estabelecida desde 1971 e tem fama internacional.

Esta é a primeira experiência da viagem à África do Sul. Falarei de mais dois temas nas próximas semanas: “A origem das uvas nacionais” e “Pinotage”.
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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A ética do foie gras

O debate ético sobre o foie gras sempre existiu no mundo da gastronomia. A produção tradicional é baseada na superalimentação forçada de gansos e patos. O fígado, considerado iguaria fina, deve crescer cerca de dez vezes mais que o tamanho normal. Com gordura acumulada, o sabor fica mais pronunciado, além de reduzir o amargor.

Esse processo de engorda é chamado de “Gavage”. Tubos de plástico, ou ferro, são introduzidos na garganta das aves para alimentá-las com ração à base de milho. Os defensores dos direitos dos animais contestam veemente esta prática. Mais de 15 países já proibiram a comercialização de foie gras. Entre eles, Itália, Israel, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos. A técnica foi popularizada pelos franceses, mas já era conhecida e, provavelmente criada, pelos antigos cozinheiros judeus dos Egipcios.


Entretanto, não é só com a engorda das aves que se produz os melhores fígados. A ética pode se harmonizar com o prazer gastronômico.
Descobri uma pequena fazenda chamada Pateria Sousa, no vilarejo de Pallares, perto da cidadezinha Fuente de Cantos, a 115km Noroeste de Sevilha. A propriedade fica entre as regiões de Extremadura e Andalucia, no Sul da Espanha. Desde 1812, a família de Eduardo Sousa cria gansos.



A fazenda ganhou notoriedade após participar do Coup de Coeur, o mais prestigiado concurso de foie gras do mundo. O ano era 2006 e o evento aconteceu no famoso Salão Internacional da Alimentacao (SIAL), em Paris. Parte da feira é organizada pela Associação Francesa de Foie Gras (CIFOG, sigla em francês).

Quatro finalistas foram apresentados num imenso auditório com a presença dos principias jornais e revistas da França. Quando o resultado saiu e, Pateria de Sousa foi proclamada vencedora do prêmio, somente um amigo aplaudiu. O foie gras de Sousa é extraído de gansos africanos, criados na península Ibérica e alimentados em liberdade nos campos repletos de accorn (bolota, em português). É o mesmo tipo de alimentação dada aos porcos do famoso Jamon Ibérico (o presunto cru da Espanha).


Sousa consegue produzir um foie grãs delicioso sem fazer a superalimentação. Ele cria gansos durante o outono e inverno. Nesse período, as aves consomem, naturalmente, quantidades enormes de alimentos para criar gordura corporal. A reserva é necessária para as longas viagens de migração em direção ao Sul.


As aves de “Pateria de Sousa” também recebem visitas de gansos selvagens. O grupo, que segue rumo à direção sul, faz uma parada na fazenda para recuperar as energias. Eles também se reproduzem com os gansos locais. O encontro acontece todo o ano com 15 fêmeas fortes, dotadas de boa herança de raça.

Pateria de Sousa produz fígados quatro vezes menores que os franceses ou húngaros. A diferença também está no preço. Cem gramas de foie gras ético de Sousa custa seis vezes mais que o francês ou hungaro. O chef Dan Barber, do Blue Hill at Stone Barns, em Nova York, foi o primeiro a descobrir Sousa, depois de ter conhecido sua história na SIAL. Em novembro, retorno à fazenda para acompanhar o processo de colheita do foie gras.

O Conselho do Comité Profissional de Produtores de Foie Gras, na França, não concorda com a decisão de qualificar como foie gras fígados que não tenham pelo método “Gavage”. Segundo o órgão, tanto a matéria-prima quanto a técnica caracterizam a iguaria. Para marcar essa diferenciação, a fazenda Schiltz Goose Faros, localizada em Dakota do Sul, nos Estados Unidos, passou a utilizar o termo “fígado de ganso engordado naturalmente”. Fundada em 1944, os produtores alegam que a alimentação forçada não indica nem comprova a qualidade e o sabor do foie gras. Sem sacrifício ou violação de princípios éticos, é possível degustar uma das iguarias mais afamadas e polêmicas da gastronomia.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

sábado, 12 de setembro de 2009

Paprenjak, a arte culinária da Croácia


Durante uma curta visita às cidade de Dubrovnik, na Croácia, e Kotor, em Montenegro (países dos Balcãs, situados no sudeste da Europa), encontrei o paprenjak, biscoito tradicional do antigo Reiono da Iugoslávia.


Nikola, habitante de Kotor, ainda prepara os seus próprios paprenjak para vender em um pequeno mercado de comida, perto do porto da cidade. Descobri que o biscoito é um segredo culinário desde o período Renascentista.

O doce, que simboliza o folclore local, é muito aromático e famoso por seu formato quadrado. É feito com ingredientes simples como mel, farinha de trigo, ovos, canela, noz moscada e nozes com leve toque de pimenta negra moída.


Dizem que seu sabor é tão contraditório quanto a tumultuada história da região. Nikola define o paprenjak como “docemente apimentado”. A popularidade do biscoito, entre os primeiros habitantes de Zagreb (antiga Gradec), está registrada na obra literária do romancista croata August Šenoa, intitulada The Goldsmith’s Gold.

Descendente do primeiro confeiteiro de Zagreb, Šenoa descreve a origem dos melhores paprenjaks. No romance, os doces eram preparados pela feiticeira Magda, que ficou conhecida na cidade como a “Mulher Paprenjak”.

O biscoito tornou-se uma arte culinária de Zabreg, que tem longa e rica tradição em confeitarias e cafeterias. Depois de muito tempo esquecido, o paprenjak voltou a ser produzido por artesãos locais como Nikola, Sanja Opačak e outros mais, em diversas partes da Croácia e Montenegro.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

terça-feira, 30 de junho de 2009

“Tupperware” gourmet

É cada vez mais comum almoçar em restaurantes durante a jornada de trabalho. A correria frenética do cotidiano não permite fazer refeições em casa. Tempo e variedade de alimentos são considerados na hora de escolher o local para comer. No concorrido horário de almoço, a solução mais prática é freqüentar buffets, rodízios, restaurante a quilo ou lanchonetes. Entretanto, nesses estabelecimentos o cardápio, normalmente, é preparado com mais gordura e sal. O resultado pode ser percebido ao longo dia, pois nos sentimos pesados e desconfortáveis a tarde toda.

Em tempos de crise, talvez seja uma oportunidade retornar ao velho hábito de preparar a refeição em casa. Para isso, que tal tirar do armário também aquela “tuppeware”? Pode parecer pouco glamuoroso, mas trata-se de uma solução saudável e que trará benefícios, inclusive para sua produtividade. Acomode-a em um simpático porta-alimentos, ou em uma bolsa apropriada, e leve a comida de casa para o trabalho.

Tempo e variedade podem ser melhor explorados nesta alternativa. Preparar a refeição não tem que ser complicado nem levar tempo. Entre as sugestões, faça saladas completas com muitas verduras e frutas da estação. Além de oferecerem melhor preço, são mais nutritivas e saborosas.

Três de minhas receitas favoritas são super fáceis de fazer e completas. A “Salada Três Feijões”, típica do sul dos Estados Unidos, e à base de feijão branco, vermelho e preto. Também pode ser feita com grãos ou lentilhas. Acrescente cebola roxa, pepino, tomate, aipo e pimentas (vermelha ou verde). A receita original leva açúcar, mas com azeite de oliva extra virgem, sal, pimenta e vinagre fica excelente. As leguminosas são fonte de proteínas e constituem um prato completo.


Quando estudei medicina em Alexandrópolis, na Grécia, me encantei pela “Salada Grega” com tomates grandes bem maduros, pepino, cebola roxa em rodelas, queijo feta, alcaparras, pimenta (verde/vermelha) e azeitonas pretas. Regue tudo com azeite de oliva extra virgem, sal e orégano. Com o molho restante da salada, esfregue rodelas de pães... é riquíssimo! Esta salada acompanha bem pescados.


Outra salada nutritiva, completa e deliciosa é o “Tabule Marroquino”, feito com cuscuz marroquino, tomates frescos, cebolas, pimentas e muita salsa. Eu acrescento à receita passas e pedaços de frango e, às vezes, sementes de romã, se estiver na época. Tempere com azeite de oliva extra virgem, limão e hortelã. Um acompanhamento de carne é imbatível.

Essas saladas dispensam a opção de um segundo prato por serem substanciosas. Depois desse almoço caprichado e feito em casa, sirva-se de frutas frescas e frutos secos, como nozes e castanhas, ou iogurte. Esta é uma perfeita refeição gourmet: saudável, barata e saborosa.


LINK PARA FOTOS DAS SALADAS
www.elise.com
www.foodloversinternational.com

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Iñigo Sainz Arregui é médico especializado em Medicina Familiar, Comunitária e nutrição, em Bilbao no país Basco.


quinta-feira, 4 de junho de 2009

pequenos grãos de potência gastronômica

Columella foi um escritor agrônomo que produziu o repertório mais extenso e documentado sobre agricultura romana. A primeira informação sobre receita de mostarda vem dos livros deste romano, por volta de 42 a.C. A pequena semente era chamada de Mustum Ardens, que significa suco que queima a garganta. A expressão serviu de fonte para a palavra em inglês, mustard; e em francês, moutarde. É no terroir de Dijon, região francesa da Borgonha, onde este cultivo é mais valorizado do que em qualquer outro lugar do mundo.

Em 1756, o francês Jean Naigeon criou uma nova versão de moutarde. Ao invés de produzir a receita com vinagre, utilizou o verjus, suco azedo de uvas não maduras. Essa troca de ingredientes foi importante para estabelecer a mostarda como um produto de alto valor gastronômico. A versão conferiu menos acidez, sabor equilibrado e consistência cremosa, sendo mais agradável ao palato. Assim, o imperador Carlos Magno sugeriu aos fazendeiros que começassem a plantar o grão em Dijon, celebrado por conosseurs há vários séculos.


A produção foi muito bem sucedida e tornou-se um ingrediente comum em vários pratos da cozinha regional de Dijon, como o coelho cozido com mostarda artesanal. Anos de história fez dessa matéria-prima um elemento marcante da identidade cultural local e motivo e orgulho. A mostarda era vendida fresca em barris de vinho. Geralmente, os compradores levavam potes de argila para abastecer com o produto. O recipiente protegia do calor, do ar, da luz, além de conservá-lo.


Dijon se transformou em sinônimo de moutarde

Os moutardiers são famosos pela fabricação de produtos locais, feitos artesanalmente, como mostarda, licor de cassis e pão de gengibre. Estes são os três ciclos mais emblemáticos da cidade. O autêntico Dijon tem Denominação de Origem Controlada, onde cresce a matéria-prima e parte da produção.



Desde 1937, a lei francesa especifica que a composição da mostarda deve ter, no mínimo, 28% de extrato (pasta) e não mais de 2% de casca. Devem ser moídas junto com o verjus para depois formar a pasta. As sementes são filtradas para assegurar que não existe nenhum agente químico proibido. Apenas óleos essenciais. No passado, o terroir francês era rico em potássio, ideal para o cultivar a mostarda. E os vinhedos locais eram a fonte do verjus. Devido a essa debilidade, o governo autorizou a importação da mostarda do Canadá, responsável por 90% da produção orgânica mundial. A semente cultivada no país é da família Brassica. É a mais forte e cara de todas as espécies. O grão pode ser preto ou branco.


Alguns pequenos produtores estão empenhados em retomar o cultivo de mostarda em Dijon. A empresa Fallot, por exemplo, enfrenta dificuldades que vão além das possibilidades agrícolas da região. Os proprietários só utilizam as técnicas antigas, como um moedor de mais de 200 anos, e matéria-prima local. O resultado é uma das mostardas mais especiais do mundo. Marc Désarménien, bisneto do senhor Fallot, me contou a história da família. A produção orgânica era somente com a Moutarde de Bourgogne, feita com sementes que cresciam na Borgonha. Hoje, os métodos tradicionais praticamente desapareceram. Só alguns produtores como o Fallot, usam as pedras para moer a mostarda.

Outro produtor que visitei é Reine de Dijon. O gerente geral Luc Vandermaesen explicou como funcionam os conceitos artesanais e tradicionais associados aos novos métodos de produção. Aplicando tecnologia moderna, a empresa conseguiu produzir mais mostarda em menos tempo e com qualidade superior.

Na Alemanha, cidade de Halle, localizada na Saxônia, região norte do país, encontrei a mostrich, mostarda artesanal orgânica. Está é a mais clássica, um dos menores produtores do mundo que só fabrica para dois chefs. A família de Jorg Georgsenf produz há 400 anos e, segundo ele, os atributos mais importantes são velocidade e temperatura. Primeiro, a semente é moída para se fazer massa. Georgsenf tem problemas para concluir essa etapa porque a pedra que ele utiliza é de 1840. A receita inclui o sal colhido pelo próprio produtor. A mostarda mais deliciosa que já provei.


A cozinha Alemã utiliza mais a mostarda doce, ao invés de moer o grão. É assim desde o século 8, há mais de 3 mil anos. Pode ser encontrada em pratos da região da Bavária e, ao norte, é base de molhos para fazer vinagrete. Assim como na França, a origem da palavra alemã mostrich vem do mosto da uva.

A menor semente da terra, que se transforma numa árvore frondosa, é capaz de liberar uma concentração de sabor intenso e aromático. Seu tamanho insignificante esconde uma potência gastronômica. É preciso habilidade para valorizar esse pequeno fruto e extrair sua essência, que dá personalidade a diversas receitas regionais.
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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

quinta-feira, 2 de abril de 2009

bálsamo para o paladar

relíquias gastronômicas da Emília-Romagna
Um dos tesouros culinários da Itália é o Vale do Rio Pó, localizado ao norte da região Emilia-Romagna, composta por nove províncias, entre as quais estão Parma, Modena e a capital Bologna. O Vale talvez possua mais matérias-primas e curiosidades gastronômicas do que qualquer outra área do país.


Na zona entre Reggio Emilia e Parma, artesãos produzem o delicioso queijo Parmigiano Reggiano, nas colinas de Langhirano. E por toda a planície Parmigiana é produzido o famoso Prosciutto di Parma. Já em Zibello foi criada uma das relíquias mais bem guardadas da Itália: o Culatello, feito com a parte mais nobre da coxa do suíno.

A abundância de sabores deve-se ao microclima com verões úmidos e invernos sob constante neblina. Essas condições são ideais para aumentar, naturalmente, as propriedades organolépticas e criar excelentes características durante o envelhecimento de queijos e embutidos, que ficam, geralmente, pendurados nas janelas. E também influencia na qualidade das uvas que crescem nas colinas para a produção do vinho local.

Artesãos e produtores da Emília-Romagna compreendem bem o conceito “filiera integrata”, baseado no aproveitamento e uso criativo de co-produtos das matérias-primas. Para esses trabalhadores é motivo de orgulho transformar o excedente em ingrediente premium


aceto balsamico tradizionale di Modena
O vinagre é um ingrediente essencial em diversas culturas alimentares, utilizado desde à antiguidade como condimento, aromatizante, conservante e medicamento. Sua produção sempre acompanhou a tradição do vinho, em terroirs onde as uvas crescem em perfeito equilíbrio. Na maioria das línguas ocidentais, a origem da palavra vem do francês vin aigre (vinho azedo). Em italiano, o aceto vem do latim acetum (azedo) e pronuncia-se “atcheto”, ao invés de “acceto”, como é chamado no Brasil.

Os melhores vinhos da Emília-Romagna são feitos com as uvas locais Lambrusco e Trebbiano. O mosto da uva, um co-produto do vinho, é cozido e envelhecido para extrair o terceiro produto mais valioso da região: Aceto Balsamico Tradizionale di Modena. Nessa rica cidade, a tradição de produzir vinagre é transmitida de pai para filho e preservada por gerações.


Em 1993, a região de Modena foi a primeira a criar uma associação, com o objetivo de assegurar a qualidade e origem do produto. O Consorzio Aceto Balsamico di Modena certifica por meio do D.O.P. (Denominação de Origem Protegida) não apenas o produto, mas a zona de produção, produtores, matéria-prima, marca e comunicação.

A entidade também administra aspectos legais, políticos e burocráticos. De acordo com o Consorzio, o termo balsâmico aparece em documentos oficiais da cidade, por volta de 1747, e está associado às propriedades terapêuticas.


balsâmico, co-produto nobre do vinho
O aceto é produzido com o mosto, suco que resulta da prensagem das uvas. Depois de o líquido ser reduzido pela metade é levado para envelhecer em barris de carvalho ou cerejeira. Em cinco meses, aproximadamente, começa a evaporação e redução. O balsâmico se difere dos outros vinagres porque não existe o processo de fermentação nos primeiros estágios. Por isso, o açúcar se mantém intacto.



O método de acetificação utilizado é o D’Orleans, o mais antigo, datado de 1670. Consiste em transferir o mosto de um barril para outro em intervalos regulares até surgir o verdadeiro Aceto Balsamico. O tamanho dos barris também variam, sempre do maior para o menor. Como estes recipientes não são lavados, concentram o amora na madeira. Por isso, essa troca é feita sempre em tonéis com o mesmo tipo de madeira para seguir a mesma linha sensorial.

fonte: ROSSO, Modena www.rosso.mo.it

De acordo com as regras do Consorzio Aceto Balsamico di Modena, o mosto principal (primeira prensagem das uvas) deve aguardar entre 12 a 15 anos para se classificar como Aceto. Entretanto, alguns produtores utilizam o método especial de decantar o líquido em pequenas quantidades para produzir o ano todo. O aceto pode ser maturado por mais de 25 anos.

O vinagre é “balsimificado”, técnica que consiste em apurar as notas mais florais e concentrar os aromas. A consistência final é similar a um xarope. O autêntico Aceto Balsamico é encorpado, denso, com textura de veludo. É a concentração máxima da essência do mosto, puro bálsamo, perfumado, doce, agradável e penetrante.



aceterias balsâmicas

Visitei algumas aceterias ou vinagreria que produzem o verdadeiro Aceto Balsamico. A cultura do vinho disseminou o prestígio para desenvolver com primor e qualidade, produtos tão valorizados quanto à bebida. Sergio Merlino mora numa cidade próximo à Barolo, situada ao noroeste da Itália, na Província de Cuneo, região do Piemonte. Com aparência e nome de mago ele faz alquimias na Aceteria Merlino. Ele começou a produzir vinagre de forma intrigante e mágica.


Há cerca de 30 anos, na pequena biblioteca destruída de uma cidadezinha chamada Canela, Merlino encontrou entre os destroços sua fórmula mágica ou receita de aceto. Depois de encontrar essa relíquia, ele iniciou a produção do Berg o’p Soom, um balsâmico à base das uvas Moscato e Barbera, com perfume florado de acácia e sambuco. É acidificado por três anos e maturado em cascos de carvalho.

Em Montova, cidade próxima à Emilia-Romagna, coberta por uma forte e encantadora neblina, conheci a senhora Elda Megazzoli. Em sua aceteria de médio porte, ela produz vinagre orgânico de maçã doce, mantendo todas as técnicas e tradições milenares. Próximo a Alba, descobri a Aceteria Rosso, que produz com uvas locais chamadas Así (dialeto piamontês). O aceto é maturado em barris de diferentes madeiras como castanheira, amoreira e cerejeira. O processo se diferencia por depositar o mosto em tanques, expostos ao ar livre, durante o Verão. Com isso, a acidificação acontece naturalmente e devagar.



outras rotas do balsâmico

Seguindo para a Espanha, encontrei aceto em Jerez de la Frontera, município da Espanha, na província de Cádiz, comunidade autônoma de Andaluzia. A região é conhecida pela produção do Sherry, o mais famoso vinho doce espanhol. Mas o senhor Jose Francisco Sabater, proprietário da La Andaluza, produz vinagre com as uvas Pedro Ximenez (uma das mais antigas do mundo); e Palomino (uma das mais clássicas da região).


Depois da colheita, Sabater coloca as uvas para secar ao sol com a finalidade de desidratá-las. É o mesmo método utilizado na fabricação do Sherry. O mosto é maturado em barris franceses de cerejeira, utilizados por até 30 anos. Este balsâmico de cor âmbar tem 7% de acidez. É macio na boca, equilibrado com um toque de frutas frescas e cascas de cítricos.


bálsamo para o paladar
Os connoisseurs apreciam o aceto pela história de cada produtor e seu terroir, o tipo de uva, as técnicas de envelhecimento e o sabor. A redução do mosto produz notas completamente diferentes e sabores multidimensionais. Esses vinagres não são indicados para cozinhar, mas para finalização. Ao aquecê-los, corremos o risco de perder a excepcional qualidade do aroma. É comparado à trufa branca, por exemplo, que finaliza preparações. Combina com queijos fortes e frutas. Realça o sabor em carnes cozidas.

Na Itália, pode ser encontrado até como topping para sorvete, geralmente, de baunilha. E, ainda, servido como digestivo após a refeição, com a mesma função de um vinho doce. Apesar de hoje o aceto balsâmico ter produção em massa e ser acessível, os vinagres desses produtores são extraídos em pequenas quantidades. A geografia de cada lugar que faz com que as uvas cresçam de maneira diferente, assim como permite a utilização de processos de envelhecimentos distintos. É a essência do mosto, puro bálsamo. O ideal é apreciá-los da maneira mais simples para lembrar a maneira como foram produzidos.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid

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