segunda-feira, 16 de março de 2009

o gastrônomo profissional

Os consumidores vêm se tornando mais atentos a questões de saúde e compram mais produtos orgânicos que nunca, e uma nova geração cresce com maior consciência sobre qualidade alimentar e sobre as questões globais relacionadas à indústria de alimentos. E nesta jovem geração astuta e gastronomicamente ativa surgiu uma nova espécie de expert: o profissional de alimentação, ou gastrônomo.


Uma destas pessoas é Paulo Lima. Em parte aficionado alimentar (o moderno foodie), parte empresário, e parte psicólogo, nosso gastrônomo é motivado principalmente pelo amor e fascínio por tudo que compõe o universo da comida.


Muito antes de o mundo saber que precisava de gastrônomos, Lima estudava, viajava, desenhava um quadro global da geografia da comida, abordava as preocupações crescentes sobre a distância que a comida percorre desde a produção até a mesa, identificava a origem de alimentos de qualidade superior em todo o mundo, e usava suas habilidades de empresário para identificar mercados em potencial.

Ele fazia isto mais como uma maneira de combinar seus maiores interesses na vida do que seguindo algum grande plano, mas quis a sorte que na idade de 30 anos ele já tivesse 8 anos de experiência, um diploma de pós-graduação em Desenvolvimento de Comércio Eletrônico e em Psicologia do Consumidor pela Universidade de Nova Iorque, e um Mestrado em Cultura e Comunicação Alimentar pela Universidade de Ciências Gastronômicas, na Itália.

Lima tornou-se um expert em marketing e em comida e tendências alimentares, e se mantém na vanguarda das novidades desse universo com visitas a mercados de comida na Bulgária, Londres, Bologna, Nova Iorque e Rio de Janeiro; fazendas e plantações na Espanha; fabricantes de queijo no interior da Campanha;, e fabricantes de cerveja e destilados na Alemanha.


expedição em busca de sabores perdidos

O currículo profissional de Lima também reflete esta preocupação com tudo relacionado à comida: ele já foi diretor de tendências e marketing gastronômicos em uma renomada empresa alimentícia internacional. E atuou no ramo da comunicação alimentar, trabalhando como gerente de marketing da Italian Cooking and Living Media Group (La Cucina Italiana) em Nova Iorque.

Em 2007 foi um dos palestrantes nas prestigiosas conferências da Fundação James Beard: Itália e a Dieta Mediterrânea. O especialista está extremamente entusiasmado com as mudanças que vê ocorrerem no mundo alimentar, sobretudo a de uma nova geração de amantes da comida informados e críticos.

Embora Paulo possa ser jovem e parte de uma profissão nova, empolgante e voltada para o futuro, muito de sua expertise envolve certa dose de voltar no tempo, e se não precisamente além da moda (já que a moda é inegavelmente um dos fatores que motiva este novo ramo de negócios da alimentação) e da comida, então pelo menos apesar deles, fazer considerações à moda antiga de questões reais e sustentáveis, trazendo o que costumava ser pequenas questões locais ao olhar público global.

Mas você se pergunta: o que exatamente ele faz? OK. Imagine a seguinte cena: há algumas pequenas fazendas no sul da Espanha onde José e Miguel vêm lutando para obter reconhecimento por seu brilhante trabalho para salvar espécies locais de oliveiras da extinção, usando pequenos pomares que herdaram de seus respectivos avós. Tem sido uma carga longa e dura, e eles somente continuam no ramo devido a sua determinação e a um desejo de fortalecer o vínculo de toda sua vida com seu passado gastronômico: uma paixão motivada por sentimentos de ser parte disto, amor por sua terra, e, talvez, uma memória persistente do sabor destas azeitonas quando os dois eram jovens.


Uma tarefa ingrata à primeira vista, dadas as horas-homem, a labuta e os riscos de falha da colheita. Ainda assim, depois de dez anos, eles produzem uma quantidade modesta de um dos mais esplêndidos azeites extra virgens que sua região viu em anos. É delicioso, é único, e é um fragmento da história. Ah, e custa mais que o dobro da substância engarrafada produzida em massa a não mais que 50 km estrada abaixo.

Eles gostariam de aumentar a produção, estão estudando técnicas de enxerto, e pagam apanhadores para colherem as azeitonas à mão no momento certo antes que elas possam cair e ficar machucadas. Mas eles não parecem conseguir encontrar mercado para seu azeite. Eles sabem que estão a anos-luz à frente dos outros azeites da região em termos de qualidade, mas os outros nativos ou têm seu próprio azeite caseiro, ou não têm interesse ou desejo em pagar o preço mais alo deste azeite de qualidade superior.


Entra em cena Paulo Lima. Este é o tipo de projeto que o motiva.
Não há nada de que ele goste mais que ajudar o mundo a descobrir um “novo” universo de sabores antigos que incorporam tradições e habilidades há muito perdidas, enquanto ao mesmo tempo ajuda a promover um produto de qualidade e a criar marcas globais utilizando técnicas de posicionamento de alimentos e estratégias de marketing eficientes.


sabores locais para o mercado gourmet
Quando trabalhava na Italian Cooking and Living, por exemplo, uma das importantes conquistas de Paulo foi o desenvolvimento de um Clube de Azeite Italiano em que ele foi responsável por localizar pequenos produtores de azeite por toda a Itália, identificando variedades de azeitonas novas ou únicas, e então implantar uma campanha de comunicação eficiente para trazer os produtos a um mercado-alvo norte-americano, uma campanha que resultou em um aumento de vendas de mais de dez vezes e que atraiu cobertura da mídia nacional. E esta tarefa específica de combinar “novos” produtos de qualidade superior com consumidores bem informados, exigentes e receptivos é um dos aspectos favoritos de seu trabalho.


Mas toda esta conversa de marketing e posicionamento de produtos traz à tona a pergunta: quem decide o que comemos? Nós (consumidores), ou eles (especialistas em marketing)? Sem dúvida, nossa herança cultural influencia nossas escolhas sobre que comida compramos, junto com as tradições de nossa pátria e infância e um desejo inconsciente de evocar sabores favoritos de nosso passado.


Mas é claro, há nossas experiências adultas de alimentação, influenciadas, talvez, por viagens a lugares e culturas diferentes do globo. A maior parte de nós prefere pensar que a motivação de experiências sensoriais específicas, como o consumo de boa comida, está dentro de nós, mas os profissionais de marketing alimentar inteligente suspeitam de algo diferente.

Você pode achar que escolhe uma marca de massa em particular porque a provou algumas vezes durante as férias na Itália, mas nossos amigos de marketing sabem que há muito mais que isso. Eles ficam felizes que você tenha ido à Itália e provou a culinária italiana em seu contexto autêntico, de modo que quando você voltar para casa eles possam apontar a direção correta, colocando a marca certa na frente do público certo no momento certo, ajudando as pessoas a encontrar o tipo de comida que querem para o estilo de vida que têm, ou pretendem ter.


marketing alimentar inteligente
Como Lima sabe, o segredo é equilibrar os interesses das diferentes partes: marketing incisivo, porém leve, que atinge o público-alvo. O marketing inteligente pode despertar sentimentos mistos, mas vamos encarar os fatos: sem os Paulos Limas do mundo, perderíamos toda uma gama de produtos novos e empolgantes, e nossos amigos Miguel e José estariam completamente fora do ramo, o que os privaria da satisfação de produzir um produto estelar e nos privaria da possibilidade de degustar este produto.

Para que a promoção de produtos tenha sucesso, o item certo tem que ser levado ao público certo sem que ninguém se sinta decepcionado ou ludibriado de alguma maneira. É uma espécie de serviço de encontros que apresenta a noiva ao noivo depois de confirmar que os dois são compatíveis. Desse modo, o produtor fica feliz, o cliente fica feliz, e o mundo da qualidade alimentar faz progresso.

Mas voltando a nossa pergunta inicial: o que Paulo Lima come? Ele diz que não é caprichoso, mas que gosta de azeitonas do monte Iblei próximo a Ragusa, na Sicília, do primoroso queijo de cabra das colinas de San Pancrazio, na Toscana, do polvo de Capo Palinuro, e do delicioso pão de farinha de mandioca do Brasil, tudo regado a um pinot noir de Vosne-Romanée, na Borgonha, ou uma equilibrada taça de nebbiolo da região de Langhe, no Piemonte.


Achamos que Brillat-Savarin concordaria.
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Gem Stafford

o diamante da cozinha

A trufa é o diamante da cozinha. Brillat-Savarin atribuiu a esta matéria-prima a virtude de instigar os mais doces prazeres e submeter o paladar aos caprichos dos sentidos. Segundo o autor de A Fisiologia do Gosto, as trufas podem, em certas ocasiões “tornar as mulheres mais tenras e os homens mais amáveis”.
Este fungo ou cogumelo subterrâneo já foi considerado um objeto misterioso. As trufas só começaram a ser classificadas depois de mais de 2 mil anos em uso. A partir do século 18, cientistas renomados como Pico, Vittadini, Tulasne e Chatin começaram a pesquisá-las. Existem mais de cem tipos, colhidas em cerca de 12 países. Apenas oito variedades são conhecidas, e cinco são comercializadas e encontradas o ano todo.
trufa e seu terroir
Durante minha passagem pela revista La Cucina Italiana, em Nova York, participava freqüentemente de eventos com cozinheiros e produtores italianos de vinhos, queijos e azeites, que promoviam seus produtos nos Estados Unidos. Um desses jantares aconteceu no L'atelier, de Joël Robuchon, dentro do hotel Four Seasons, localizado na Rua 57 com a Park Avenue. O chef realiza workshops com menu-degustação em seus restaurantes de Tokyo, Paris, Las Vegas e Nova York.

Na ocasião, o francês Robuchon serviu enguia com foie gras e rúcula, bolinhos de perna de rã com trufas negras e aspargos selvagens sensacionais. Achei o sabor das trufas interessantes, mas não tinha ainda certeza quanto aos gostos e aromas da iguaria. Dois anos depois, garimpei esta jóia em minha tese de mestrado para a Universidade de Ciências Gastronômicas, em Parma, na Itália. Ao buscar inspiração em Brillat-Savarin, decidi investigar sobre “Trufa e seu Terroir”.

Após concluir a pesquisa, fui convidado para trabalhar em uma importante empresa do segmento de trufas frescas e derivados. Além de atuar na área de educação da matéria-prima, tive a oportunidade de conhecer os mais famosos colhedores de trufas da Itália, Espanha, Croácia e dos Estados Unidos. E também alguns dos mais importantes chefs do mundo, que a utilizam em sua cozinha. Foi uma experiência fascinante desvendar seus mistérios. A trufa é a quintessência do Umami: sensual, apaixonante, preciosa e mágica.


a cidade da trufa



tesouro escondido
A trufa é dividida em duas partes. A primeira é o fruto, que é comestível. A segunda, invisível a olho nu, é composta pelas raízes do cogumelo chamadas de Micelium, que produz o fruto ou trufa. Cada variedade demanda por um clima específico, caracterizado por umidade, temperatura, abundância de água e composição do terreno. O tamanho pode ser pequeno, grande, circular ou irregular, geralmente, são encontradas em uma profundidade entre 10 e 40 centímetros.

Peridium é o nome dado à casca; e Gleba à parte interna, que contém as sementes, denominadas esporas. Quando as esporas estão maduras, a trufa exala um aroma concentrado com a finalidade de se multiplicar. A reprodução acontece por meio da simbiose entre a raiz específica de uma árvore, o meio ambiente, a abundancia de água ao redor e o micro clima.

Os Miceliums se enroscam nas raízes das árvores, formando a Micorhiza. Esse processo gera novos Miceliums para explorar o solo, e podem chegar a uma distância de 50 metros. Tanto a árvore como a trufa dependem da Micorhiza. Por ser incapaz de fazer a fotonssíntese, o cogumelo se nutre através das raízes das árvores, beneficiada com os sais minerais dos longos Miceliums da trufa.


os caçadores de trufa
Extrair essa preciosidade da terra exige precisão e faro apurado. Por isso, cães especialmente treinados identificam a localização exata. A partir da identificação, os caçadores de trufas cavam, cuidadosamente, com uma ferramenta apropriada para recolher o cogumelo com as mãos, sem danificar as raízes das árvores. Após a coleta, imediatamente, eles nivelam a superfície com terra para evitar que as raízes fiquem desidratadas.



O caçador responsável é comprometido com naturaza e o ambiente que lhe fornece as jóias comestíveis. Eles nunca retiram o cogumelo antes de amadurecer, como por exemplo, a Fiorone (tipo inferior de trufas brancas). Além de não prejudicar o equilíbrio ecológico da área, sua missão é preservar as trufas, reverenciada como uma dádiva da natureza. Na Itália, a colheita das trufas é definida pela Lei 752/85, que determina variedades, áreas permitidas, retirada do solo, raças de cães, manutenção do meio ambiente, a fim de garantir que o cogumelo poderá se reproduzir a cada ano.


o perfil do caçador
Os cães podem ser mestiços ou com pedrigree e valem milhares de euros, graças ao seu olfato, ao tempo e paciência dispendidos no seu treinamento. Melhor ainda se o animal fizer parte de uma geração de caçadores. Seu sentido olfativo será ainda mais apurado para indicar o esconderijo das trufas, que podem estar até 50 centímetros abaixo do solo.

O fiel escudeiro do caçador deve ter porte entre pequeno e médio e excelente resistência física. Essas são algumas das qualidades necessárias para que o cão transite com segurança na vegetação espinhosa e rasteira, sem perder o ritmo da caçada. Em 1991 a raça Lagotto Romagnolo foi eleita para a tarefa de farejar trufas. O cão é considerado um especialista em cogumelos.




variedade de trufas


• Tuber Melanosporum Vittadini | Trufa Negra de Inverno | Trufa de Périgord | Trufa de Norcia.
É a trufa mais conhecida e pode chegar ao tamanho de uma laranja. Esta é a minha preferida. Tem sabor muito delicado com notas doces e de nozes bem suaves. É bastante utilizada na cozinha francesa. A colheita ocorre entre novembro e março. As melhores trufas negras estão na Espanha, Itália, França, Portugal, Hungria, Grécia e Alemanha. Também são encontradas na Nova Zelândia e no Óregon.

• Tuber Magnatum Pico | Trufa Branca

É a mais cara das trufas e muito difícil de ser encontrada. Pode ser pequena como uma ervilha; ou grande como uma batata. As trufas brancas são famosas por seus aromas robustos e presentes, variando notas de queijos de leite de vaca maduros até alho e vinagres balsâmicos. A colheita ocorre entre setembro e dezembro, principalmente na Itália, Croácia e Eslovênia.
• Tuber Aestivum Vittadini | Trufa de Verão
É a mais comum das trufas. Amadurecem entre junho e setembro e são colhidas em quase toda a Europa. Além da Turquia e Norte da África. Tem sabor leve e notas de avelã e amêndoas.

• Tuber Uncinatum Chatin | Trufa da Borgonha
É muito parecida com a trufa Aestivum, mas a colheita é feita entre setembro e dezembro.

• Tuber Albidium Pico | Tuber Borchii Vittadini | Trufa da Toscana | Trufa Bianchetto
As cores variam de acordo com o lugar onde amadurecem. Geralmente são pequenas com forte aroma de alho. São excelentes como ingredientes e mantêm seus sabores únicos em várias preparações. Encontrada em toda a Europa, a colheita é realizada entre Janeiro e Abril.

• Tuber Brumale Vittadini | Trufa negra Brumale
Assim como a Bianchetto é colhida entre Janeiro e Abril, na Europa, Sibéria, Óregon e Australia. Seu tamanho é parecido com o de uma pequena avelã e com algumas trufas negras Melanosporum. É caracterizada por seu gostoso aroma de rabanete, infuso com nozes frescas.

outras variedades

Tuber Moschatum de Ferry

• Tuber Microsporum Vittadini ou Trufa Negra Lisa
É uma delícia, mas muito dificil de encontrar.

• Tuber Mesentericum Vittadini ou Trufa de Bagnoli
Tem um aroma intenso de amoníaco. cozida é bem interessante.

algumas trufas não comestiveis

• Tuber Excavatum Vittadini ou Trufa Mágica;

• Tuber Rufum Pico ou Trufa Vermelha.

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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


tempero bem dosado


A medida correta de sal é sinônimo de bom senso. Basta uma pitada a mais para comprementer uma receita. Do mesmo modo, sua ausência é notada até pelos paladares menos exigentes. Saber dosar esse tempero, indispensável em qualquer cozinha, confere habilidade e prestígio. A relevância na alimentação ultrapassa os limites da panela e serve de metáfora para vida. Afinal, comida insossa não tem graça; assim como uma pessoa sem graça é sem sal.

Além de conferir sabor, esse ingrediente temperou a história da humanidade, assumindo importantes papéis. Como moeda dos romanos, originou a palavra salário; a capacidade conservar alimentos garantiu provisão e originou receitas regionais de vários países. Os egípicios foram os primeiros a desenvolver o sistema de evaporação da água para a obtenção do sal marinho.

No final da Segunda Guerra Mundial a demanda por sal aumentou e a industrialização o tornou um produto barato, acessível. Com isso, os métodos tradicionais de coleta foram abandonados. Num período de 50 anos o sal marinho, recolhido a mão, desapareceu do mercado. Existem diversos tipos que variam conforme a procedência e a cor de seus cristais.
Pode ser encontrado em pedra ou na versão mais nobre, a flor de sal.



a fina flor
A tradição de recolher manualmente os frágeis cristais de sal marinho, conhecidos como flor de sal, resistiu às pressões da demanda e floresceu em todo o mundo. A pequena cidade medieval francesa de Guèrrande, localizada ao Noroeste da Grã-Bretanha, é o mais celebrado mapa dessas pedras preciosas.


Os muros fortificados são cercados pelo Oceano Atlântico: ao leste pela rio argiloso de Brière; ao norte pelo rio Vilaine; e ao sul pelo mar La Baule.



A região com pouco mais de 15 mil habitantes faz parte do município de Loire-Atlantique, no Pays de la Loire. A geografia da chamada “Ilha Branca” é formada por um mosaico de pequenas lagoas de águas salgadas, conectadas ao Oceano, formando salinas naturais. É no lento evaporar das águas que se revela a fina flor. Desde 854 a.C., Guèrrande já utiliza a flor de sal e permaneceu até a metade do século XV comercializando-a. No século 17 começou a exportar para todo o mundo.


Nas salinas francesas, artesãos chamados paludiers (trabalhadores do sal), recolhem sua fleur de sel, utilizando técnicas de 2 mil anos, introduzidas pelos Celtas. A colheita é feita delicadamente com uma ferramenta de madeira, semelhante a uma pá. Com precisão e perserverança, os paludiers obtém um 1 kg dos cristais para cada 80 quilos de sal marinho bruto. Na França, são aclamados como “os jardineiros do mar”.



o trabalhador do sal
Francois-Xavier Bodiguel colhe flor de sal desde os 10 anos de idade. Hoje aos 29, é um paludier independente, que se dedica exclusivamente a extrair os cristais dos mares de Guèrrande.


É ele quem explica o processo de colheita, que é feito em duas etapas, no período de março a setembro. Primeiro, a água fresca do mar entra na lagoa. O solo argiloso da salina evita a quantidade excessiva de água. Esse encontro resulta em uma salmoura, que protege a água fresca dentro da salina.


O paludier explica que a segunda etapa de produção acontece no Verão. Nas tardes mais quentes, o sol que incide sobre esse sítio natural faz com que a água do mar e o vento quente evapore com mais facilidade. As salmouras mais concentradas são decantadas em uma salina mais rasa, onde a concentração de cloreto de sódio é tão alta, que começa a cristalizar. Quando o vento de Guèrrande sopra do leste, uma película fina de cristais se formam na superfície da salina. Os artesãos correm para tentar colhê-los delicadamente.


a cozinha da flor de sal
A flor de sal tem aspecto de floco de neve transparente com tonalidade variando entre branco e rosa. Depois da secagem ao sol, os critais permanecem com a cor branca. Poucos grãos são suficientes para explorar os sabores. É perfeito para qualquer preparação. Depois que se prova o encanto desses cristais é impossível utilizar sal comum. É o mais desejado dos gourmands em todo o mundo. Extremamente puro, leve, delicado, tem gosto de violeta. Os chefs Alain Ducasse e Paul Bocuse começaram a frequentar Guèrrande na década de 70 e iniciaram uma campanha em prol da cultura da flor de sal. O produto tem certificação orgânica da associação Nature et Progrès, que autentica a naturalidade do sal e sua pureza.


outros terrois salinos
Guèrrande não é o único lugar a produzir a flor de sal. A Cérvia, localizada na província italiana de Ravenna, é cercada de salinas e produz o “sale dolce”. O ingrediente é usado na fabricação do queijo parmesão e do presunto de parma. O terroir da Cérvia é rico em minerais, resultado de fatores com o sol, o vento e a argila preta. A região concentra a única salina artesanal totalmente plana, chamada Camillone. A colheita é feita diariamente, durante os 200 dias intenso de verão. É um sal doce e muito puro.



A água mais pura da Europa se encontra na Costa Sul de Portugual. Os fenícios foram os responsáveis por levar para o país a cultura da colheita de sal. Em Algarve, a tradição de trabalhar com sal possui mais de 400 anos. Há cerca de 20 anos, um pequeno grupo de artesãos começaram a reestabelecer os métodos tradicionais de extrair os cristais.


João Navalho e Nico Boer são dois mantenedores dessa tradição. Em 2001, eles receberam o prêmio Slow Food para a Biodiversidade por resgatar a cultura de sal para Algarve. O sal de Algarve é mais branco que o de Guèrrande porque nesta região, ao invés de argila, os trabalhadores utilizam gesso para manter as salinas.


Muitos chefs utilizam o sal marinho, mas não ensinam a importância de utilizá-lo. O tempero potencializa o sabor de comidas cozidas ou cruas, inclusive nos doces. É um ingrediente que combina com chocolate, por exemplo. O ingrediente tem notas sensoriais de buquet mineral. Dá para sentir a mineralidade no paladar. Colhido na Bretanha, na Itália ou em Portugal, é indispensável em qualquer cozinha e sempre será um tempero elegante, que transforma qualquer prato.
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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


a especiaria mais valiosa da gastronomia

O açafrão é uma das especiarias mais caras e valorizadas na gastronomia. A produção limitada desse pó dourado de aroma inebriante exige precisão, paciência e um intenso trabalho manual. Cultivado deste a Antiguidade em diversas regiões da Ásia, teve papel fundamental em rituais religiosos; e nas cozinhas da civilização grega, onde também era utilizado como cosmético.


Na Roma, a aristocracia costumava beber o açafrão, fazendo infusões em caldos de carne, galinha ou carneiro, sendo considerado um afrodisíaco. Sua cor vibrante também tonalizava as túnicas de monges budistas. Durante o período das grandes Cruzadas, os árabes levaram o az-zafaran, que significa amarelo, para a Espanha. Desde então, a especiaria conquistou cozinheiros franceses, italianos, espanhóis e ingleses.

O açafrão é a mácula, ou stigma, seca da flor crocus sativus. Hoje, o cultivo é feito, principalmente, em áreas isoladas da Espanha, Marrocos e no Oriente Médio. As delicadas flores de cor púrpura florescem somente na escuridão, antes do amanhecer. A colheita deve ser feita no mesmo dia para asegurar que os fios estejam vermelhos, conservando seu sabor intenso e a deliciosa fragrância.



essência da flor

Cada flor contém, em média, três máculas, que devem ser retiradas a mão, utlizando os dedos polegar e indicador.
As crocus sativus são muito frágeis para serem colhidas com máquinas. Após a retirada da mácula das flores com rapidez, o açafrão passa trinta minutos sobre o fogo indireto. O processo é utilizado para tostar as pontas dos stigmas, retirar o excesso de umidade e, principalmente, intensificar seus aromas. O calor também controla o nível de amargor desse tempero.


Duzentas horas de trabalho são necessárias para produzir 460g de açafrão; e, para obter 1kg, são utilizadas 180 mil crocus sativus. Pelo peso, a especiaria é a mais cara. Em certas ocasiões, o preço por quilo supera o do ouro. A temporada ocorre no final de outubro. Na minha food trip em busca do melhor açafrão do mundo, tive a oportunidade de conhecer dois terrois sensacionais com longas histórias de produção. Além de uma cultura em torno desse tempero, que é de tirar o fôlego.


o terroir do açafrão

Hoje, a Espanha é responsável por 70% da produção de açafrão, considerado o melhor e o mais perfeito. O terroir espanhol em volta do Rio Jiloca se destacou pela qualidade e a especiaria passou a ser chamada pelos nativos de “o ouro do homem pobre”. Com invernos rígidos e longos e verões quentes, o clima da região é ideal para cultivar as crocus.


Nessa viagem, conheci Jose Antonio Sanchez, coordenador do projeto Slow Food Presidium, que tem como objetivo preservar a cultura alimentar tradicional. Sanchez, produtor no Vale do Jiloca, explicou sobre as dificuldades desse cultivo devido às mudanças climáticas nos últimos anos. Em 2007, a colheita foi 60% menor que em 2006. Ao relatar a produção nos últimos trinta anos, ele lembrou com tristeza o fato de que muitos agricultores deixaram de cultivar as flores.

Em 1970, o terroir de Teruel - situado ao lado das montanhas Cuenca, na região de Aragon, a 200km de Valência - era famoso por suas trufas e pelo açafrão, tendo dois mil hectares plantados. Hoje, a área possui menos de 5 hectares. É surreal saber que a economia local já foi totalmente dependende da agricultura da crocus sativus.



o museu do açafrão

O Museo del Azafran - localizado no pequeno vilarejo de Monreal de Campo, a 55km de Teruel - é um marco histórico. O local possui a biblioteca mais completa dedicada ao tempero com sua história e lendas, o comércio, as rotas e os instrumentos usados na produção. Nessa comunidade, o açafrão teve papel central, tendo sido utilizado como moeda de troca.


Com o apoio da Fundação Slow Food para Biodiversidade, o Museo del Azafran, está desenvolvendo um projeto para promover o açafrão de Jiloca entre os consumidores da Espanha e ao redor do mundo. Desde a Idade Média, o tempero foi ameaçado por imitações de qualidade inferior. Apesar da facilidade de reproduzir a cor de ferrugem intensa, os carotenóides e óleos essenciais, que compõem todas as notas de sabor, estão somente presentes na verdadeira crocus.


açafrão marroquino
Embora a Espanha responda pela maior parte da produção, o açafrão marroquino apresenta alta qualidade. É considerado por alguns como o mais aromático disponível no mercado. Seu intenso perfume, possui aroma de mel e sabor forte, que lembraria um néctar de frutas amargas.

A pequena aldeia marroquina de Taliouine, localizada a 400 km ao sul de Marrakesh, é uma comunidade de produção de açafrão. Para chegar ao local é preciso atravessar a cadeia de montanhas Altas, situada a 400 metros acima do nível do mar. Taliouine é um vilarejo muito pobre. Os pequenos agricultores da região produzem um pouco do melhor açafrão do mundo e o comercializam por gerações. Eles ainda usam velhas balanças para pesar e vender seu precioso ingrediente. Em breve, o açafrão de Taliouine se juntará ao Açafrão de Jiloca através do Slow Food Presidium.


luxo acessível
O açafrão é insubstituível nas cozinhas de muitas culturas. É essencial no Arroz Pilaus, o Biryanis, e nos pudins e doces da Índia e Oriente Médio. Na cozinha Marroquina é utilizado, frequentemente, nas preparações de doces. Tagine, um dos pratos mais populares do Marrocos é à base desse tempero. Também é ingrediente-chave em risottos no norte da Itália; na sopa de peixe de Marseilles; nos frutos do mar da Provence; e nas paejas célebres da Espanha. Como nunca é usado em grandes quantidades, o preço do açafrão por quilo não o faz um produto caro ou inacessível.

É bom lembrar que o seu alto valor de mercado é temperado pela sua intensidade. Somente uma pitada é necessária para trazer sabor, luxo, apelo visual e novas dimensões às receitas.
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Paulo A Lima é gastrônomo profissional, carioca e um dos diretores do projeto LA Organic, em Madrid


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